quarta-feira, 21 de março de 2012

Caso Prático nº1: a minha resolução

As actuações administrativas aqui relevantes são: o pedido de Afonso relativo à licença de construção de um colégio à Câmara Municipal de Cascais; a recusa da CMC a apreciar o pedido; a decisão da CMC em indeferir o pedido e respectiva fundamentação; a intervenção do Presidente da CMC, face a recurso por parte de Afonso da decisão da última, e a fundamentação do requerente. 

A partir o artigo 74º do CPA, inclui-se o pedido de Afonso à CMC na marcha do procedimento, sob a forma de requerimento inicial.
A CMC recusa-se, num primeiro momento, a apreciar o pedido de Afonso, por já o ter indeferido no ano interior. Ora, estando no plano do poder discricionário, sabemos que a Administração é dotada desse mesmo poder aquando da decisão de praticar ou não certo acto administrativo.
Posteriormente, e após tomar conhecimento da decisão da CMC, Afonso dirigiu-se ao seu filho, vereador da Câmara Municipal em questão. Aqui, deve afirmar-se a violação de um princípio material da Administração, consagrado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, o Princípio da Imparcialidade. Recorrendo ao artigo 44º do CPA, e à alínea b) do seu nº1, depreendemos estarmos perante uma relação de 1º grau da linha colateral, uma relação de pai e filho, e, portanto, uma invalidade material.
A CMC veio depois decidir por unanimidade de seis membros indeferir, novamente, o pedido de Afonso. Aqui, pode identificar-se um caso de ‘venire contra factum proprium’, visto ter ido a Câmara contra uma prévia decisão, a de não conhecer sequer do pedido. A CMC violou, na verdade, e materialmente, os seus próprios critérios, podendo, comotal, invocar-se ainda violação do Princípio da Boa Fé. Mas, além disso, podiam levantar-se questões quanto ao facto de a decisão ter sido tomada por unanimidade de apenas seis membros. Para tal, deverá recorrer-se aos artigos 22º e seguintes do CPA.
No entanto, ainda assim, há que apreciar brevemente a fundamentação da CMC face ao indeferimento do pedido de Afonso. Tendo em conta o Regime Geral das Edificações Urbanas, que no título IV relativo às ‘condições especiais relativas à estética das edificações’ (artigo 121º a 127º), não parecem existir referências a cores mais ou menos adequadas para a construção, neste caso, de um colégio. Assim sendo, o argumento que considera um colégio cor de laranja como ofensivo da povoação não será atendível.
No entanto, mais importante que os argumentos d CMC em indeferir o pedido da licença de construção, é o que aconteceu seguidamente. O que há a dizer acerca do facto de Afonso recorrer hierarquicamente ao Presidente da CMC? De acordo com o artigo 158º do CPA nº2 alínea b), Afonso tem reconhecido o seu direito a recorrer ao superior hierárquico, a solicitar a revogação ou modificação da decisão da CMC.
O argumento do requerente de que a proibição de pintar o colégio de cor de laranja é um atentado aos seus direitos de liberdade pessoal e artística, e ainda um manifesto atentado político, por ser conhecido o facto de Afonso ser um militante fervoroso do PSD, poderá levantar um problema de invalidade material. Isto por estar em causa o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 266º nº2 da CRP. Uma decisão baseada em preferências políticas não parece aceitável.
O argumento seguinte, que aponta o facto de existirem na zona outras construções, afasta o correspondente argumento da CMC (que afirma estar em questão uma zona ‘non aedificandi’). Mais uma vez, parece estar aqui presente uma violação do Princípio da Igualdade, pois Afonso está a ser discriminado face aos outros proprietárias das construções que constam daquela zona.
Finalmente, no que respeita ao sucedido da audição dos interessados, a mesma está consagrada no artigo 100º do CPA. Se atentarmos ao nº1 do mesmo preceito: “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” Ora, parece que, neste caso concreto, foi dado a entender a Afonso de que o seu pedido seria deferido, e este, consequentemente, deu início às obras para adiantar trabalhos. Estamos perante a violação dos princípios da Justiça e da Boa Fé, pois a tutela da confiança de Afonso foi violada. Este acreditou que o seu pedido tinha sido aceite, e procedeu de imediato às diligências necessárias.
Deve ainda referir-se o facto de a CMC, tendo em conta o que transmitiu a Afonso nessa audiência dos interessados, ter, posteriormente, indeferido o pedido, caindo em violação do Princípio da Boa Fé. Foi contra uma sua própria decisão tomada previamente, alterando-a, indo assim contra a primeira. No fundo, há de novo um caso de ‘venire contra factum propium’.

Endividamento das autarquias?

http://publico.pt/1538654

António José Ganhão, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP), considerou nesta terça-feira que deve haver "algum erro de informação" para que o ministro avance com um valor de endividamento das autarquias de 12 mil milhões, quando a ANMP reportou cerca de 8 mil milhões, na semana passada.

Ganhão disse estar surpreendido com o aumento do valor do endividamento autárquico para os 12 mil milhões. "Julgo que haverá algum erro de informação ao senhor ministro. Não quero com isto pôr em causa as afirmações do senhor ministro. No entanto, admito que possa haver uma situação destas, porque o valor é demasiado elevado para aquilo que está contabilizado”, afirmou.Ganhão é autarca de Benavente e sublinhou que, “até que demonstrem o contrário”, a ANMP “tem de dizer que a dívida deve ser muito próxima daquela que está contabilizada pela Direcção-Geral de Autarquias Locais, ou seja 7800 milhões de euros.”Ribau Esteves, vice-presidente da ANMP, lamentou nesta terça-feira, em declarações à TSF, que o Governo critique o endividamento das autarquias mas não fale das dívidas da administração central.“O senhor ministro, de dois em dois dias, fala das dívidas das autarquias, mas eu gostava muito mais de o ouvir falar dos 200 mil milhões de dívida que o Estado português tem por culpa da administração central, dos 46 mil milhões de dívida das empresas públicas de Portugal”, disse Ribau Esteves.O também presidente da Câmara Municipal de Ílhavo criticou ainda que haja “dinheiro para tudo”, referindo nomeadamente as regiões autónomas, e lamentou que o Executivo não tenha negociado com a troika sobre esta matéria, já que sabia que as autarquias “têm um pequeno problema” de endividamento.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Magistrada sem direito a dispensa de sábado religioso

Notícia retirada do Jornal Público:
«A magistrada reivindica o direito à liberdade religiosa. Um acórdão daquele tribunal superior estipula que, "no caso de conflituosidade de dois interesses fundamentais, um de natureza pública e outro privado, por princípio, deve prevalecer o interesse público".

Em Abril do ano passado, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou (com uma abstenção) indeferir o pedido da procuradora para ser dispensada dos turnos de serviço urgente que assegura, aos sábados, na comarca onde trabalha. Pedido esse fundado em "razões de culto religioso", já que a referida magistrada é membro de uma organização religiosa que a obriga a "guardar o sábado como dia de descanso, adoração e ministério", refere o acórdão. 

Para que essa obrigação seja cumprida a referida Igreja enviou ao Governo, em 2010, uma lista com indicação dos períodos horários dos dias de descanso relativos a 2011. A magistrada requereu então ao seu superior hierárquico a dispensa do seu trabalho nos turnos marcados para os sábados em 2011. Pedia também autorização para compensar esses dias com outros dias de turno que não coincidissem com o sábado. Essa pretensão foi indeferida por decisão do Conselho Superior do Ministério Público com o fundamento de que as funções que a magistrada exerce não correspondiam a um horário de trabalho flexível previsto no artigo 14.º da Lei de Liberdade Religiosa (LLR). De acordo com o que este estabelece, "os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam". 

Direitos humanos em causa

Em resposta ao recurso interposto pela procuradora, o STA considerou, independentemente da análise dos aspectos processuais que, "o interesse público assume uma muito maior relevância do que o interesse da requerente", não se vendo que "o indeferimento da sua pretensão possa contribuir para a constituição de uma situação de facto irreversível ou "determinar a produção de prejuízos irreparáveis" 

Em declarações ao PÚBLICO a propósito deste caso, Jonatas Machado, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, salientou que "também é do interesse público garantir o direito da liberdade religiosa, um direito constitucionalmente protegido" e observou que "os direitos humanos prevalecem diante do interesse público".

Jonatas Machado frisou ainda que "a liberdade é a regra, a restrição é que é a excepção e tem de ser devidamente fundamentada". 

"Com jurisprudência como esta, não admira que Portugal seja tantas vezes condenado no Tribunal dos Direitos do Homem". »

Deparei-me, hoje, com esta notícia e não pude deixar de ficar surpreendida. De facto, apenas me resta salientar o que o Prof. Jonatas Machado referiu (e muito bem) que "a liberdade é a regra, a restrição é que é a excepção (...)".

Com esta ânsia tão grande que este país parece ter de proclamar a liberdade, acaba por falhar no mais importante, na defesa dos direitos humanos e, neste caso, violou um dos principais... o direito à liberdade religiosa!

Termino citando o nº2 do artigo 41.º da nossa Constituição:


"Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres
cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa."

terça-feira, 13 de março de 2012

Debate sobre a concepção tripartida e a concepção unitária de direito subjectivo público

Equipa a favor da concepção tripartida de direito subjectivo público

Guilherme Gomes
Joana Anjos
Pui Ian Lam

Equipa a favor da concepção unitária de direito subjectivo público

Duarte Martins
João Perdigão
Miguel Diniz

sexta-feira, 9 de março de 2012


 Colhe o Dia, Porque És Ele

Uns, com os olhos postos no,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis, in " Odes"


Perguntar-se-á em que medida o estoicismo de Ricardo Reis e a sua busca insaciável pelo prazer do momento se relacionam com o estudo do Direito Administrativo. Prima facie ,tratar-se-á, de certeza, de uma disfunção. Como relacionar realidades tão dispares e antagónicas, cada uma pertencente a um ramo específico do Saber? Como superar os contrastes quanto aos respectivos enquadramentos e finalidades?
A poesia representa, à semelhança do Direito, uma das manifestações mais imediatas do génio humano. Menosprezar o poder das palavras é, necessariamente, subvalorizar as potencialidades do Homem para se regenerar e reinventar e, ainda mais importante, para se relacionar e realizar. Assim, no quadro de uma " personificação" do Direito Administrativo, sorrorrer-me-ei do génio de Pessoa para retratar, ainda que de forma embrionária, a evolução, a actualidade e os desafios do Direito Administrativo.

" Uns, com os olhos postos no passado, vêem o que não vêem":

O Estado Liberal de Direito representa, se quisermos, o primeiro modelo sistemático e organizado da Administração Pública. A realidade efervescente que caracterizou o período subsequente à Revolução Francesa de 1789 influenciou decisivamente a construção do paradigma administrativo: imperativos de ordem e segurança públicas, harmónicos com um princípio de separação de poderes estático e rígido, legitimaram uma matriz autoritária e centralizada do Direito Administrativo, encarado como o complexo normativo privativo da Administração. O endeusamento do acto administrativo contribuiu para sua configuração enquanto instrumento de actuação único das entidades administrativas, titulares de " prerrogativas exorbitantes" para o exercício da sua actividade.
O compromisso com o Estado de Direito, ainda que formalmente assegurado com o princípio da legalidade, claudicou redondamente, evidenciando perplexidades: o indíviduo, se num momento (constituinte) era encarado como um vértice apriorístico e superior ao próprio Estado, noutro constituia objecto da actuação discricionária da Administração. Não só o movimento legiferante foi exíguo, como não foram outrossim assegurados mecanismos de protecção jurisdicional das garantias dos particulares: " julgar a Administração é ainda, e deve continuar a ser, administrar" como lapidarmente propugnou CHAPUS, determinando o florescimento de uma arquitectura jurisdicional privativa.

O despontar do Estado Social e da Administração prestadora constituiu uma superação de algumas das incongruências da construção liberal. Os excessos da industrialização e do capitalismo constituiram um fenómeno de consciencialização colectiva no tangente às funções do Estado: perante uma patente deterioração do tecido social, a máquina estadual assume as rédeas da vida económica, social e cultural, intervindo em múltiplos sectores da vida social. A Administração Pública, originariamente distante da sociedade, relaciona-se e interliga-se agora com ela, escrevendo mais um capítulo na dinâmica evolutiva do Direito Administrativo: o Welfare State é, antes de mais, o Estado-Administração.

" Este é o dia, está é a hora, este é o momento isto / É quem somos, e é tudo"

A abordagem tentacular e omnipresente que caracterizara o último período pecou igualmente pelos seus excesssos: a máquina administrativa de prestações não soube acompanhar a incessante diversificação dos fins da colectividade, e o aparelho prestador não tardou em evidenciar as suas insuficiências. Concomitantemente, as adversidades no plano económico e financeiro - cite-se, a título exemplificativo, a crise dos anos 70 e o surto neoliberal dos anos 80 - justificaram a inflexão do paradigma administrativo então vigente.
A matriz hodierna do Direito Administrativo - dito de prospecção ou de infra-estruturas - aproxima-se das emoções do "eu" poético, inclusive ultrapassando-as. No momento de crise do Estado-Providência," perene flui(a) a interminável hora" em que era manifesta a inércia do poder estadual e das estruturas tradicionais. A " nulidade" que surge espelhada no espírito do sujeito lírico  correspondia à passividade do Estado Social, petrificado em face dos novos ventos. Um sentimento crescente de insatisfação, insegurança e desassossego percorria o corpo social, sedento de uma alteração.
É mister proporcionar uma abertura ao influxo da sociedade civil. Daqui não decorre que se vá operar uma pulverização dos centros de decisão e um rompimento diametral com velhas concepções: importa sim promover uma valorização de mecanismos de justiça e solidariedade social, aperfeiçoando a herança deixada pelos antigos cultores da Teoria Geral do Estado e do Direito Administrativo.
No concernente às relações jurídicas administrativas, a tónica radica na sua multilateralidade: derrotados os cânones autoritários e unilaterais, o Direito Administrativo é o complexo normativo disciplinador da função administrativa, prosseguida por uma multiplicidade de sujeitos: os particulares, vendo as suas garantias efectivadas e protegidas em face da Administração, podem exigir contenciosamente a realização das suas vantagens. A sociedade " É quem somos, e é tudo". Estamos todos convocados para a promoção e realização da actividade administrativa, estreitando laços e assegurando uma coesão e compreensão alargada, através da harmonização de interesses públicos e privados. Porque " os mesmos olhos no futuro vêm, O QUE PODE VER-SE".