quinta-feira, 10 de maio de 2012


Hipótese Prática de 08-05-2012


Em face dos dados facultados pela hipótese, urge proceder ao elenco das actuações jurídico-administrativas relevantes para efeitos de resolução do presente caso:

1- A decisão do vereador da CML em demolir dois prédios do Bairro Alto que ameaçavam ruina, seguindo a informação dos serviços camarários;
2- A solicitação de expropriação, por utilidade pública, dos prédios supra mencionados para ai construir um estabelecimento, considerando que o nº4 do Decreto-Lei não se aplicava ao caso vertente mercê do frágil estado de conservação daqueles, afirmando que a sua demolição uma inevitabilidade;
3- A declaração de utilidade pública proferida pelo Ministro da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sem aprovação prévia em sede de Conselho de Ministros;
4- A decisão do vereador do urbanismo em demolir os prédios num prazo de 15 dias atendendo à urgência em lançar um concurso público para a construção do estabelecimento, notificando-se de seguida os moradores para o fazerem num prazo de 10 dias, procedendo-se, em caso contrário, a um despejo coercivo.

Quanto ao ponto nº1, o acto administrativo proferido evidencia desde logo, num prisma orgânico, uma patologia. Sendo a competência atribuída por D.L. à Câmara Municipal de Lisboa, o Vereador só a pode exercer, eventualmente, a título de delegação de poderes, mas nunca como uma prerrogativa originária. Sobre esta matéria versa, contudo, o artgº. 64º/5/a-) da LAL, que preceitua ser da competência da Câmara Municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização, a concessão “(…) de licenças (para) demolição de edifícios”, faculdade, de resto, insusceptível de ser objecto de delegação de poderes (artgº. 35º CPA – artgº 65/1 e 2 LAL) e, por maioria de razão, de subdelegação.

- Quanto à solicitação de utilidade pública emanada pelo Presidente da C.M.L., esta carece da observância de certos requisitos. Nos termos do artgº 10 do Código das Expropriações, a declaração da utilidade pública da expropriação deve ser fundamentada, mencionando expressa e claramente: a causa de utilidade pública a prosseguir e a lei habilitante; os bens expropriados, os proprietários e os demais interessados conhecidos; a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação e, ademais, deve contemplar o previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização. Esta proposta de declaração de utilidade pública, para efeitos de expropriação, é, porém, da competência da Câmara Municipal de Lisboa (artgº64º/7/c) LAL), que a pode delegar no Presidente da Câmara (artgº. 65º/1 LAL). A omissão do acto de delegação acarreta, porém, uma invalidade orgânica do acto.
Já no concernente à  sua validade material, é mister aprofundar a fundamentação da solicitação: relembra-se que o Presidente entendia que o nº4 do D.L. não se aplica porque os prédios em causa teriam sempre de ser demolidos dado o seu precário estado de conservação. À luz do artgº. 125 CPA, conquanto a fundamentação fáctica possa encontrar correspondência com a realidade exterior – o que é passível de crítica, dada a intervenção final de um dos moradores -, a fundamentação de iure para a decisão de demolição contraria frontalmente o dispositivo do nº. 4, que é peremptório ao balizar o alcance e sentido das competências da Administração. O legislador, movido por um sentimento de preservação e salvaguarda do património cultural, estabelece um poder vinculado do qual a Administração não se pode desviar no exercício do seu poder discricionário, sob pena da sua preterição desencadear uma invalidade material do acto pela violação do princípio da legalidade (artgº. 266º/2 CRP).

3- No tangente agora à declaração de utilidade pública proferida pelo Ministro do M.A.M.A.OT., esta foi emanada sem a aprovação prévia do Conselho de Ministros, realidade que consubstancia per si mais um fundamento de invalidade do acto.

4 – No seguimento da declaração de utilidade proferida pelo Ministro, e aferida a incompetência do Vereador Municipal para praticar actos administrativos sobre esta matéria, urge indagar acerca do carácter urgente atribuído à expropriação (artgº. 15 do C.E.) e as consequências jurídicas daí emergentes, mormente no respeitante à tutela dos direitos subjectivos dos moradores.
Num plano principiológico, e dado o escopo da norma habilitante, a decisão proferida não se coaduna com os vectores integrantes da proporcionalidade: não só se revela uma medida pouco idónea  e apropriada em face dos particularismos da situação, máxime se atendermos a projecção nefasta nos direitos dos particulares (desadequação), como se apresenta como uma conduta excessivamente onerosa para os moradores residentes naqueles edifícios, que ficam subitamente desprotegidos e amplamente fragilizados aquela actuação administrativa(desnecessidade) ; por fim, o acto peca outrossim num plano de razoabilidade: se o legislador se encontrava imbuído de um espírito de preservação do património cultural, a demolição pura e simples daqueles edifícios fere o balanceamento de interesses que se pretendia com a ratio do preceito. Consubstancia, por conseguinte, uma violação do princípio da proporcionalidade (artgº. 266º/2).
Gozando de legitimidade para intervir no procedimento, na qualidade de titulares de direitos subjectivos (artgº. 53º CPA) e de serem ouvidos naquele antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (artº. 100 CPA), a omissão do direito de audiência dos interessados representa, para lá de uma invalidade procedimental, a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, determinante da nulidade do acto administrativo (artgº. 133º/2/d-))No plano dos princípios representa, por seu turno, a violação do princípio da boa fé, no seu vector mediante da tutela da confiança (artgº. 266º/2 e artgº6º/2/a-) CPA). À não produção de quaisquer efeitos jurídicos acrescenta-se a susceptibilidade de ser invocada a todo o tempo por quaisquer interessados, consubstanciado, de iure condito, a forma de invalidade mais grave do acto administrativo.
Ademais, o particular, na qualidade de interessado, tem a iniciativa de pedir a revogação do acto (artgº. 138º CPA) sendo que, na hipótese dos actos inválidos, estes só podem ser revogados com fundamento da sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida (artgº. 141º CPA)

Afonso Diogo nº. 140110023

Sem comentários:

Enviar um comentário