Hipótese Prática de 08-05-2012
Em face dos dados facultados pela hipótese, urge proceder ao
elenco das actuações jurídico-administrativas relevantes para efeitos de
resolução do presente caso:
1- A decisão do vereador da CML em demolir dois prédios do
Bairro Alto que ameaçavam ruina, seguindo a informação dos serviços camarários;
2- A solicitação de expropriação, por utilidade pública, dos
prédios supra mencionados para ai construir um estabelecimento, considerando
que o nº4 do Decreto-Lei não se aplicava ao caso vertente mercê do frágil
estado de conservação daqueles, afirmando que a sua demolição uma
inevitabilidade;
3- A declaração de utilidade pública proferida pelo Ministro
da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sem
aprovação prévia em sede de Conselho de Ministros;
4- A decisão do vereador do urbanismo em demolir os prédios
num prazo de 15 dias atendendo à urgência em lançar um concurso público para a
construção do estabelecimento, notificando-se de seguida os moradores para o
fazerem num prazo de 10 dias, procedendo-se, em caso contrário, a um despejo coercivo.
Quanto ao ponto nº1, o acto administrativo proferido
evidencia desde logo, num prisma orgânico, uma patologia. Sendo a competência
atribuída por D.L. à Câmara Municipal de Lisboa, o Vereador só a pode exercer,
eventualmente, a título de delegação de poderes, mas nunca como uma
prerrogativa originária. Sobre esta matéria versa, contudo, o artgº. 64º/5/a-)
da LAL, que preceitua ser da competência da Câmara Municipal, em matéria de
licenciamento e fiscalização, a concessão “(…) de licenças (para) demolição de
edifícios”, faculdade, de resto, insusceptível de ser objecto de delegação de
poderes (artgº. 35º CPA – artgº 65/1 e 2 LAL) e, por maioria de razão, de
subdelegação.
- Quanto à solicitação de utilidade pública emanada pelo
Presidente da C.M.L., esta carece da observância de certos requisitos. Nos termos
do artgº 10 do Código das Expropriações, a declaração da utilidade pública da
expropriação deve ser fundamentada, mencionando expressa e claramente: a causa
de utilidade pública a prosseguir e a lei habilitante; os bens expropriados, os
proprietários e os demais interessados conhecidos; a previsão do montante dos
encargos a suportar com a expropriação e, ademais, deve contemplar o previsto
em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona
da sua localização. Esta proposta de declaração de utilidade pública, para efeitos
de expropriação, é, porém, da competência da Câmara Municipal de Lisboa
(artgº64º/7/c) LAL), que a pode delegar no Presidente da Câmara (artgº. 65º/1
LAL). A omissão do acto de delegação acarreta, porém, uma invalidade orgânica
do acto.
Já no concernente à sua validade material, é mister aprofundar a
fundamentação da solicitação: relembra-se que o Presidente entendia que o nº4
do D.L. não se aplica porque os prédios em causa teriam sempre de ser demolidos
dado o seu precário estado de conservação. À luz do artgº. 125 CPA, conquanto a
fundamentação fáctica possa encontrar correspondência com a realidade exterior –
o que é passível de crítica, dada a intervenção final de um dos moradores -, a
fundamentação de iure para a decisão
de demolição contraria frontalmente o dispositivo do nº. 4, que é peremptório
ao balizar o alcance e sentido das competências da Administração. O legislador,
movido por um sentimento de preservação e salvaguarda do património cultural,
estabelece um poder vinculado do qual a Administração não se pode desviar no
exercício do seu poder discricionário, sob pena da sua preterição desencadear
uma invalidade material do acto pela violação do princípio da legalidade
(artgº. 266º/2 CRP).
3- No tangente agora à declaração de utilidade pública
proferida pelo Ministro do M.A.M.A.OT., esta foi emanada sem a aprovação prévia
do Conselho de Ministros, realidade que consubstancia per si mais um fundamento de invalidade do acto.
4 – No seguimento da declaração de utilidade proferida pelo
Ministro, e aferida a incompetência do Vereador Municipal para praticar actos
administrativos sobre esta matéria, urge indagar acerca do carácter urgente
atribuído à expropriação (artgº. 15 do C.E.) e as consequências jurídicas daí
emergentes, mormente no respeitante à tutela dos direitos subjectivos dos
moradores.
Num plano principiológico, e dado o escopo da norma
habilitante, a decisão proferida não se coaduna com os vectores integrantes da
proporcionalidade: não só se revela uma medida pouco idónea e apropriada em face dos particularismos da
situação, máxime se atendermos a
projecção nefasta nos direitos dos particulares (desadequação), como se
apresenta como uma conduta excessivamente onerosa para os moradores residentes
naqueles edifícios, que ficam subitamente desprotegidos e amplamente
fragilizados aquela actuação administrativa(desnecessidade) ; por fim, o acto
peca outrossim num plano de razoabilidade: se o legislador se encontrava
imbuído de um espírito de preservação do património cultural, a demolição pura
e simples daqueles edifícios fere o balanceamento de interesses que se
pretendia com a ratio do preceito.
Consubstancia, por conseguinte, uma violação do princípio da proporcionalidade
(artgº. 266º/2).
Gozando de legitimidade para intervir no procedimento, na
qualidade de titulares de direitos subjectivos (artgº. 53º CPA) e de serem
ouvidos naquele antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados,
nomeadamente, sobre o sentido provável desta (artº. 100 CPA), a omissão do
direito de audiência dos interessados representa, para lá de uma invalidade procedimental,
a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, determinante da
nulidade do acto administrativo (artgº. 133º/2/d-))No plano dos princípios representa,
por seu turno, a violação do princípio da boa fé, no seu vector mediante da
tutela da confiança (artgº. 266º/2 e artgº6º/2/a-) CPA). À não produção de
quaisquer efeitos jurídicos acrescenta-se a susceptibilidade de ser invocada a
todo o tempo por quaisquer interessados, consubstanciado, de iure condito, a forma de invalidade mais grave do acto
administrativo.
Ademais, o particular, na qualidade de interessado, tem a
iniciativa de pedir a revogação do acto (artgº. 138º CPA) sendo que, na
hipótese dos actos inválidos, estes só podem ser revogados com fundamento da
sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à
resposta da entidade recorrida (artgº. 141º CPA)
Afonso Diogo nº. 140110023
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