É dado que o Decreto-Lei n.º
X/2003 cria a competência, dada ao Ministro da Economia, de conceder subsídios
para a instalação de hotéis em edifícios de interesse cultural até ao montante
de 500 mil euros. O referido Decreto-Lei determina que na instrução do
procedimento referente ao subsídio em causa devem ser ouvidos a Câmara
Municipal do local visado e o Instituto da Promoção Turística.
A hipótese sub iuris prende-se com as seguintes actuações administrativas relevantes, a analisar separadamente:
a) Delegação, pelo Ministro da
Economia, das competências que lhe são conferidas pelo Decreto-Lei n.º X/2003,
no Secretário de Estado do Turismo, e subdelegação, por este, no Director-Geral
do Turismo.
As
competências, que são, no caso, conferidas pela lei, podem ser delegadas (vide art. 29.º, n.º 1 do CPA). Estamos,
por isso, perante um processo de delegação de poderes, que obedece ao regime
estatuído nos artigos 35.º e ss. do CPA, e aos demais princípios que enformam a
actuação administrativa.
Como decorre do
art. 35.º, n.º 1 do CPA, o órgão administrativo normalmente competente ratione materiae pode, desde que para
tal esteja habilitado por lei, «permitir,
através de um acto de delegação de poderes, que um outro órgão ou agente
pratique actos administrativos sobre a mesma matéria». São considerados
requisitos que se devem verificar cumulativamente para a validade da delegação
de poderes: a existência de uma lei habilitante; a existência de um delegante e
de um delegado; e a existência de um acto de delegação. Quanto ao primeiro
requisito, nada nos é dado pela hipótese, pelo que se devem considerar dois
cenários: ou, por um lado, inexiste lei habilitante, sendo o acto de delegação
inválido por preterição de um elemento essencial (na formulação clássica da
teoria dos vícios, falar-se-ia aqui de violação de lei, por falta de base
legal; na formulação moderna, falar-se-ia de um vício material) e sancionado
com a nulidade (veja-se o art. 133.º, n.º 1 do CPA); ou, por outro, existe lei
habilitante, considerando-se este requisito preenchido. No tocante ao segundo
requisito, verifica-se a existência de dois órgãos (o Ministro, delegante, e o
Secretário de Estado, delegado), da mesma pessoa colectiva pública (o Estado).
Já para aferir o preenchimento do terceiro requisito, compete saber se o acto
de delegação cumpre o disposto no art. 37.º do CPA, isto é, se especifica os
poderes delegados (a indicação dos poderes deve ser feita positivamente, por
enumeração explícita dos poderes delegados e dos actos que o delegado pode
praticar) e se foi publicado em Diário da República. Nada é dito quanto ao
conteúdo do acto, pelo que se deve considerar tanto a hipótese do acto ser
válido ou inválido. No concernente à publicação, entende-se que a falta de
publicação (que, mais uma vez, não nos é possível aferir) apenas determina a
ineficácia do acto.
Para que não se
inquine toda a hipótese, consideraremos que o acto cumpre todos os requisitos
legais; de contrário, toda a cadeia de actos subsequentes seria inválida.
Já quanto à
subdelegação, dispõe o art. 36.º, n.º 1 do CPA que, não havendo disposição em
contrário, pode o delegante «autorizar o delegado a subdelegar». No caso em
apreço, não houve autorização conhecida, por parte do Ministro que é delegante,
no sentido de o Secretário de Estado poder subdelegar, pelo que a subdelegação
será também inválida, por preterição de uma formalidade essencial (a
autorização), cominada com o vício da nulidade, por força do art. 133.º, n.º 1
do CPA.
Mais uma vez,
para que não se comprometa a hipótese, consideraremos o acto de subdelegação
válido.
b) Solicitação, por António, de
um subsídio de 500 mil euros para a instalação de um hotel no seu solar de
Ponte de Lima, e subsequente pedido de parecer, pelo Director-Geral do Turismo,
ao Instituto de Promoção Turística.
Os pareceres
exigidos por Lei são obrigatórios, como resulta do art. 98.º, n.º 1 do CPA,
pelo que o parecer, tanto da Câmara Municipal como do Instituto de Promoção
Turística, deve ser requerido pelo órgão que avaliar o pedido do particular. Os
pareceres podem ainda ser vinculativos, «conforme
as respectivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente
para a decisão»; o parecer em causa, nos termos do n.º 2 do artigo
mencionado, será não vinculativo.
c) Emissão de parecer negativo,
fundamentado, face à pretensão de António, pelo Instituto de Promoção
Turística.
O parecer
negativo Instituto de Promoção Turística não é obrigatório, como observado supra, pelo que será levando em conta na
medida em que o órgão competente para decidir o entender. Constitui, todavia,
um parecer válido, por ser fundamentado (exigência que decorre do art. 99.º,
n.º 1, do CPA).
d) Decisão, do Director-Geral do
Turismo, de não despachar o pedido de António, e proposta ao Secretário de
Estado no sentido de indeferimento do pedido.
O
Director-Geral do Turismo, não fosse incompetente por ser inválido o acto de
subdelegação que lhe atribuiu alguns poderes no âmbito da competência de
conceder subsídios para o efeito da instalação de hotéis em edifícios de interesse
cultural, poderia decidir, extinguindo-se assim, nos termos do art. 106.º do
CPA, o procedimento.
Contudo, o
Director-Geral do Turismo decidiu não despachar o pedido de António e propor ao
Secretário de Estado o indeferimento do pedido, o que apontará para o provável conhecimento,
pelos órgãos visados, da incompetência do Director-Geral para decidir de forma
definitiva e pública. Pode aqui também ter ocorrido, por exemplo, a avocação
dos poderes delegados (art. 39.º, n.º 2 do CPA). O Director-Geral poderia,
ainda assim e em princípio, participar no procedimento como órgão instrutor.
No entanto, é
sabido que o Director-Geral nutre uma grande inimizade para com António, o que
constitui, nos termos do art. 48.º, n.º 1, alínea d), do CPA fundamento de
escusa, devendo o Director-Geral ter pedido dispensa de intervir no
procedimento. Como assim não aconteceu, o acto administrativo é anulável,
sanção cominada no art. 51.º, n.º 1 do CPA.
e) Audição, pelo Secretário de
Estado, da Câmara Municipal, que emitiu parecer positivo face ao pedido de
António.
Tendo já
existido parecer do Instituto de Promoção do Turismo, faltava o parecer, também
obrigatório e não vinculativo, da Câmara Municipal da área do imóvel onde seria
instalado o hotel. O parecer desta foi positivo e fundamentado, como se exige
no art. 99.º, n.º 1, do CPA, vindo a Câmara Municipal alegar que a instalação
de um hotel no solar de António seria benéfica para o desenvolvimento local.
f) Despacho do Secretário de
Estado, no sentido de atribuir a António um subsídio de 100 mil euros,
desconsiderando o parecer negativo do Instituto de Promoção Turística.
Como resulta do
já exposto, o parecer do Instituto de Promoção Turística não é obrigatório,
pelo que existe liberdade, da parte do órgão competente, para decidir. Ademais,
verificando-se a nulidade do acto de subdelegação, e ultrapassando-se a
nulidade do acto de delegação de 1.º grau, é ao Secretário de Estado que
compete proferir a decisão final.
Todavia, os
órgãos da Administração ignoraram o procedimento de audiência dos interessados,
obrigatório por força do art. 100.º, n.º 1, do CPA. António era, neste
procedimento, interessado, como resulta do art. 53.º do CPA, e deveria ter sido
ouvido. A falta de audiência determina, no entendimento do Prof. Vasco Pereira
da Silva e de grande parte da doutrina, que o acompanha, a nulidade do acto
resultante do procedimento.
Compete por
último referir o dever de fundamentação do acto administrativo, que recaía
sobre o Secretário de Estado enquanto órgão decisor. Decorre do art. 124.º, n.º
1, alínea c) in fine, que a fundamentação
é exigida quando se decida em sentido contrário a um parecer. No caso em
apreço, o Secretário de Estado decidiu em oposição ao parecer emitido pelo
Instituto de Promoção Turística e procurou fundamentar a sua decisão, dizendo
que «constitui um facto público e notório
que o Instituto de Promoção Turística se enganou sobre a estrutura do edifício».
A fundamentação, por sua vez, está sujeita ao disposto no art. 125.º, n.º 1 do
CPA: «deve ser expressa, através de
sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo
consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores
pareceres». O número 2 do referido artigo determina que «equivale à falta de fundamentação a adopção
de fundamentos que, por (…) insuficiência, não esclareçam concretamente a
motivação do acto». Os motivos invocados pelo Secretário de Estado para a concessão
do subsídio, em especial, a justificação para afastar o sentido do parecer do
Instituto de Promoção Turística, pecam precisamente pela insuficiência: não parece
bastar a afirmação simples de que o parecer visado procede de uma avaliação deficiente
feita pelo Instituto de Promoção Turística sem aduzir argumentos.
Face ao exposto, o acto
administrativo encontra várias fontes de invalidade, designadamente invalidades
no aspecto da competência, do procedimento e da matéria, que determinam ora a
sua nulidade, ora a sua anulabilidade. Visto que a nulidade constitui uma forma
de invalidade mais gravosa, absorve a anulabilidade.
Diogo Tapada dos Santos, n.º 140110110
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