quinta-feira, 10 de maio de 2012


Hipótese Prática de 08/05/2012


Como houve vários aspectos complexos na hipótese corrigida em aula, decidi publicar a solução da hipótese, com as correcções feitas hoje em aula.

Comeceremos então por enumerar os actos jurídicos relevantes para esta hipótese. São eles: o pedido de declaração de utilidade pública pelo Presidente da Câmara Municial (PCM) a um Ministro (MAMAOT),a decisão do Ministro, a ordem de demolição do vereador e a subsequente ordem de despejo.

O pedido de declaração de utilidade pública resulta do próprio DL, que estatui a obrigatoriedade da mesma. Primeiro põe-se a questão de saber se o PCM pode propor esta declaração. Conforme retiramos da LAL 169/99 no seu artigo 64º nº7 alínea c), a competência é da CM, mas e delegável no PCM (65/1). Se não houve delegação, então estaremos perante um caso de invalidade por incompetência.
O próprio DL exclui no seu nº4 que se peça a declaração de utilidade pública para transformar prédios em ruínas em parques de estacionamento, em caso de se tratar de “bairros históricos”. O PCM tenta excluir a aplicação deste preceito, fundamentando que os prédios se teriam que demolir de qualquer maneira, dado o seu estado de conservação. Pode a CM demolir prédios, quando isto for conforme o interesse público, pela circunstância de os prédios serem um perigo iminente para a sociedade. Não se transfere aqui a propriedade, somente se interfere na esfera do particular para prevenir possíveis danos. Nestes casos não há necessidade de obter autorização prévia. Estamos aqui então num caso em que o PCM usou o seu poder com uma finalidade à prevista na lei habilitante. Estaremos então aqui também perante uma ilegalidade, material.

Quanto à declaração de utilidade pública. A lei geral que prevê a competência para declarar a utilidade pública de um acto administrativo, está consagrada no Código das Expropriações. Neste mesmo código prevê-se que a CM tem competência para tal. No entanto este DL é uma lei especial, daí que neste caso é a especial que se aplica. A declaração de utilidade pública tem de ser feita efectivamente em Conselho de Ministros. Como fora somente um  Ministro (MAMAOT) a preferir a notoriedade pública, o acto sofre de ilegalidade por incompetência. Corolário lógico é também uma subsequente ilegalidade formal, pois se a utilidade pública devesse ser proferida em Conselho de Ministros, a sua forma deveria ser a de Resolução. A forma fora porém a de Despacho, daí que teremos também uma ilegalidade formal. Outra ilegalidade formal decorre da não observância do dever imposto pelo artigo 10º do Código das Expropriações, de indicar a lei habilitante. Por fim refira-se ainda a existência de uma ilegalidade material quanto a este acto. A declaração de utilidade pública não pode ser feita no âmbito deste DL, pois exclui-se a sua aplicação a “bairros históricos”

Analisemos agora o acto do vereador de ordenar a demolição dos dois edifícios. Trata-se de uma competência da CM indelegável. Estamos então perante uma ilegalidade orgânica. Acresce a esta ilegalidade uma ilegalidade material. Há novamente uma contradição do fim previsto no DL e o efectivamente prosseguido pelo vereador. Se admitirmos que ainda se faça a (já desactualizada) referência aos vícios, este será um caso de desvio de interesses. (Adicionalmente ainda se poderá pôr a questão de saber se a demolição é conforme o Princípio da Proporcionalidade). Outro aspecto relevante no âmbito deste acto é a audiência dos interessados. Se a fundamentação do acto for o da demolição, por questões de segurança e do risco iminente, não haverá audiência dos interessados obrigatórias (103/1 CPA). Se a fundamentação do acto se relacionar com o DL e a utilidade pública, já não haverá razão para excluir a obrigatoriedade da audiência dos interessados.
Uma outra questão que ainda se prende com a ordem de demolição, será a eventualidade da mesma assentar em factos erróneos. Visto a hipótese nos chamar a atenção para o facto de um dos edifícios ter sido alvo de remodelações, levam-nos a concluir nesse sentido. Se esse for o caso então a demolição será também ilegal materialmente.

Finalmente termos que analisar a ordem de despejo do vereador.
Extrai-se do artigo 62/2 da LAL 169/99 que a competência para isto é o PCM. Prevê a lei as duas situações: utilidade pública e demolição por questões de segurança pública. Como já tivemos oportunidade de concluir supra, estamos no âmbito da demolição, visto o próprio DL excluir a outra hipótese. Para que se possa demolir têm que estar preenchidos dois requisitos: que o edifício represente um risco iminente e que não haja outro meio menos gravoso. Ora na nossa hipótese estes pressupostos não estão preenchidos, pelo menos quanto a um dos edifícios (aquele que fora alvo do programa RECRIA). Há aqui então uma ilegalidade material. (No Reino Unido este vício ainda é considerado como incompetência. Isto tem tão-só que ver com a história do Direito Administrativo e a evolução dos direitos conferidos aos particulares, na transição da Administração Autoritário para uma Administração Reguladora).
O despejo será sempre ilegal, independentemente da fundamentação. Se a razão for a demolição, já se viu que é materialmente ilegal por prosseguir um fim diverso aquele previsto no DL (desvio de interesse). Se a fundamentação for a utilidade pública, também será materialmente ilegal, visto o próprio DL excluir a utilidade pública em caso de se tratar de “bairros históricos”.
A última vicissitude que se poderá levantar aqui prende-se com o prazo de dez dias. Se a fundamentação for a utilidade pública, então poderá questionar-se se os dez dias serão um prazo adequado. O artigo 71º do CPA estabelece o prazo de dez dias. No entanto este preceito não tem muita relevância prática, dado que a sua inobservância não tem como consequência sanção alguma. A parte final do artigo 157/3 poderá constituir fundamentação legal para a inadequação prazo, visto dez dias serem pouco para que uma família tenha tempo suficiente para se deslocar para outra casa, que lhe ofereça as mesmas condições e qualidade de vida.

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