Hipótese prática de Direito Administrativo:
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A título introdutório, cumpre pintar o quadro de actuações
jurídico-administrativas relevantes para efeitos da resolução da presente
hipótese prática. São elas: o acto de delegação de competências do Ministro da
Economia no Secretário de Estado do Turismo; o acto de subdelegação deste no
Director-Geral do Turismo; o pedido de António a solicitar a concessão de um
subsídio avaliado em 200.000 euros; o pedido de parecer e a sua consequente
emanação; a decisão do Director-Geral em não despachar o pedido e a subsequente
proposta de indeferimento; audição da Câmara Municipal e respectivo parecer; terminus do procedimento e decisão de um
órgão administrativo.
- Primeiramente, é mister atender à natureza da delegação de
poderes presente no caso vertente e aferir a sua validade. Regulado a título
genérico no artgº. 35º/1 CPA, neste preceito surgem elencados os requisitos de
que depende a validade da delegação de poderes: a existência de uma lei habilitante; a existência e identificação do
órgão delegante e do órgão delegado e, por fim, a existência de um acto de
delegação. Analise-se, sucintamente, as várias variáveis:
- Quanto à existência de lei habilitante, o teor da hipótese
é omisso, mencionado apenas de forma extensiva as questões relativas ao
procedimento. No plano das competências é referido que a entidade
originariamente competente para praticar actos nesta matéria é o Ministério da
Economia, cabendo, por conseguinte, no cardápio de poderes do titular daquela
pasta; presume-se, neste seguimento, que a lei habilitava a delegação.
Já quanto ao segundo requisito constata-se rapidamente que
este se encontra preenchido: são discernidos tanto o órgão delegante,
geneticamente competente – Ministro da Economia – e o órgão delegado –
Secretário de Estado do Turismo – que doravante pode praticar “actos administrativos
sobre a mesma matéria” para a qual o órgão delegante é normalmente competente
(artgº. 35º/1 e artgº. 38º CPA).
No concernente ao acto de delegação, deste consta a
especificação dos poderes que são delegados e dos actos que o delegado pode
praticar (artgº.37º/1 CPA). Ainda que seja uma questão omissa na hipótese,
vamos admitir que o acto foi sujeito a publicação no Diário da República
(artgº.37º/2 CPA), respeitando assim uma formalidade legalmente exigida.
- No respeitante agora ao acto de subdelegação, este obedece
aos parâmetros normativamente fixados no artgº. 36º CPA: salvo disposição legal
em contrário, deve ser precedido de uma autorização do órgão delegante nesse
sentido para que o subdelegado – Secretário de Estado do Turismo – possa,
legalmente, subdelegar essas competências noutro órgão administrativo. Mais uma
vez inexiste no caso sub iudicio qualquer
referência expressa a esta situação, pelo que se presume-se, congruentemente
com o que foi acima exposto, que está em harmonia com todos os trâmites
legalmente estabelecidos.
-No plano procedimental, por imposição legislativa, o Director-Geral
doTurismo solicitou um parecer ao Instituto de promoção Turística (órgão
consultivo) concernente às características do imóvel (artgº. 98º/2 CPA): há
assim a necessidade de emitir o parecer, sem que isso corresponda, porém, à
injunção de adoptar e seguir as suas conclusões: a Administração pode, com efeito, no exercício do seu poder discricionário,
enveredar por trilho diverso. É de realçar que o parecer observou o dever de
fundamentação legalmente exigido (artgº.99º/1 CPA), não constituindo causa de
inquinação o facto de ter extravasado os critérios legalmente estabelecidos,
visto ser portador de considerações a nível técnico.
- A inimizade entre o Director-Geral e a consequente
projecção no curso do procedimento – decisão de não despachar o pedido e de
propor o indeferimento do mesmo – consubstancia uma violação do princípio de
imparcialidade (artgº6 CPA; artgº. 266º/2), gerando uma invalidade de índole
material. A relação de inimizade perfilha, ademais, uma situação de escusa ou suspeição
(artgº 48º/1/d-) CPA). Ainda que a sua substituição do órgão administrativo não
constitua um imperativo – assim se distinguindo do impedimento -, deve este
pedir escusa de participar naquele procedimento em virtude da ocorrência de uma
circunstância que faz duvidar, com razoabilidade, da sua seriedade e rectidão.
A decisão quanto à escusa caberia, nos termos do artgº.50/1 CPA, às entidades
elencadas no artgº. 45/3 e 4, e seria proferida atendendo aos trâmites aí
definidos. Uma vez inquinado também no
plano procedimental, o acto é anulável por força do dispositivo do artgº. 50º
CPA.
- Formalidade decorrente da lei era outrossim, na instrução
do procedimento, a obrigação de ouvir a CM de Ponte de Lima, que actua, no caso
vertente, ao abrigo da sua competência consultiva (artgº.64/3 LAL). Esta
mostra-se favorável à transformação do solar em hotel por ser conveniente ao
desenvolvimento local, contribuindo assim com mais um elemento para a formação
da vontade juridicamente relevante do órgão decisório.
- Emanada uma decisão –
e extinto, consequentemente, o procedimento (artgº. 106º CPA) – deferindo o pedido, cumpre
analisar duas realidades: primo, se o
Secretário de Estado era, àquela data, o órgão competente para proferir uma
decisão no caso concreto; secundo, se
o acto administrativo decisório observou o dever de fundamentação legalmente
exigido (artg. 124/1/a-) e c-) CPA).
No concernente à primeira questão, dispõe o artgº. 40 CPA
que o acto de subdelegação só se extingue por revogação ou caducidade (alínea
a-) e b-), respectivamente)). Não havendo qualquer delas – recusamos a
possibilidade de ter havido uma revogação
tácita – a competência para decidir cai ainda na esfera de actuação do
Director-Geral do Turismo, pelo que o Secretário-Geral, ao decidir, esta a ferir
o acto de incompetência (no quadro tradicional dos vícios do acto administrativo), determinando uma invalidade orgânica.
Conquanto o Decreto-Lei nºx/2003 não seja constitutivo de um
direito subjectivo qua tale, não
deixa, contudo, de atribuir uma situação jurídico-material de vantagem a todos
aqueles que pretendam que exercer uma actividade económica no ramo da
hotelaria, mediante o preenchimento de certos requisitos. Esta posição jurídica
é reconduzível, por conseguinte, à figura do interesse legalmente protegido. A esta prerrogativa é garantida uma
tutela jurisdicional efectiva, operando
o seu reconhecimento através da susceptibilidade de impugnação contenciosa de
actos administrativos que lhe sejam lesivos (artgº. 268º/4 CRP).
É nesta qualidade que
António poderia, igualmente, ter intervindo no procedimento (artgº 53º CPA) e de
ser informado, a título preliminar, acerca do sentido provável da decisão (artgº.
100º/1 CPA). No quadro principiológico, esta omissão procedimental representa uma
violação do princípio da boa fé no seu vector mediante da materialidade
subjacente (artgº. 266º/2; artgº6º/2/B-) CPA) e do princípio da colaboração dos
particulares com a Administração (artgº7 CPA), particularmente premente em sede
procedimental.
Dado o nexo umbilical entre o procedimento e os direitos fundamentais
– mercê da “eficácia irradiante” dos últimos -, a inexistência de audiência dos
interessados consubstancia uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito
fundamental, gerando uma invalidade procedimental do acto administrativo e
determinando, por conseguinte, a sua nulidade (artgº133º/1/d-). Esta posição é
perfilhada, no plano doutrinário, entre outros, por VASCO PEREIRA DA SILVA e MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO
MATOS. Já FREITAS DO AMARAL, por colocar o cerne do procedimento num plano
instrumental e, neste sentido, complementar da dimensão substantiva, entende
que um acto deste tipo estará ferido de anulabilidade, o que implica, de iure condito, um tratamento
diferenciado.
No que tange agora à fundamentação fornecida, a afirmação de
que consiste “um facto público e notório que o Instituto de Promoção Turísitica
se enganou sobre a estrutura do edifício” não é isenta de críticas. Aferida a
natureza não vinculativa do parecer, sem prejuízo da sua obrigatoriedade ex lege, a fundamentação tem de consistir
“na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da
decisão”. É exigido, por conseguinte, um quantum
de objectividade, clareza e transparência, susceptíveis de acautelar os
interesses particulares e de expressar um nível óptimo de decisão. Ora,
arrogando-se à competência de se pronunciar acerca das qualidades ou patologias
do edifício – matéria que, per si,
requer um elevado rigor e conhecimento técnicos –o Secretário de Estado do
Turismo está a desviar-se das atribuições do ministério e da pessoa colectiva
em que se insere, imiscuindo-se nas atribuições de outra pesssoa colectiva
pública - Instituto da Promoção
Turística – pertencente à Administração Indirecta do Estado. Conquanto a atribuição do subsídio constitua um
exercício com cabimento nos parâmetros formais da competência delegada, o
Secretário de Estado actua em desconformidade com os limites que materialmente
lhe impendem ao emitir um juízo de valor sobre as características do edifício,
não gozando no plano técnico de habilitação para tal.
Quanto à concessão de um montante inferior ao do desejado
pelo particular, esta foi justificada argumentando que “satisfazia inteiramente
a pretensão” daquele, permitindo a adaptação do solar a hotel. Num plano
material colocar-se-á a questão de saber se, em face da condição económica do
particular, do estado de conservação do solar e do tipo de hotel projectado, a
quantia concedida se revela, por imperativo de justiça (artg. 266º/2 CRP) como
materialmente justa. Por outro lado, se a justificação do Secretário de Estado
fosse comprovada, seria um exercício desmedido de uma situação jurídica de
vantagem se o particular viesse exigir mais do que é necessário para a
satisfação do seu interesse.
Traçada a tela das patologias, pode António impugnar o
presente acto administrativo com diversas fundamentações, tendentes à
efectivação e realização da tutela jurisdicional plena que é conferida ao seu
interesse legalmente protegido (artgº. 268º/4 CRP).
Afonso Diogo, nº. 140110023
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