quarta-feira, 2 de maio de 2012


Hipótese prática de Direito Administrativo:
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 A título introdutório, cumpre pintar o quadro de actuações jurídico-administrativas relevantes para efeitos da resolução da presente hipótese prática. São elas: o acto de delegação de competências do Ministro da Economia no Secretário de Estado do Turismo; o acto de subdelegação deste no Director-Geral do Turismo; o pedido de António a solicitar a concessão de um subsídio avaliado em 200.000 euros; o pedido de parecer e a sua consequente emanação; a decisão do Director-Geral em não despachar o pedido e a subsequente proposta de indeferimento; audição da Câmara Municipal e respectivo parecer; terminus do procedimento e decisão de um órgão administrativo.

- Primeiramente, é mister atender à natureza da delegação de poderes presente no caso vertente e aferir a sua validade. Regulado a título genérico no artgº. 35º/1 CPA, neste preceito surgem elencados os requisitos de que depende a validade da delegação de poderes: a existência de uma lei habilitante; a existência e identificação do órgão delegante e do órgão delegado e, por fim, a existência de um acto de delegação. Analise-se, sucintamente, as várias variáveis:
- Quanto à existência de lei habilitante, o teor da hipótese é omisso, mencionado apenas de forma extensiva as questões relativas ao procedimento. No plano das competências é referido que a entidade originariamente competente para praticar actos nesta matéria é o Ministério da Economia, cabendo, por conseguinte, no cardápio de poderes do titular daquela pasta; presume-se, neste seguimento, que a lei habilitava a delegação.
Já quanto ao segundo requisito constata-se rapidamente que este se encontra preenchido: são discernidos tanto o órgão delegante, geneticamente competente – Ministro da Economia – e o órgão delegado – Secretário de Estado do Turismo – que doravante pode praticar “actos administrativos sobre a mesma matéria” para a qual o órgão delegante é normalmente competente (artgº. 35º/1 e artgº. 38º CPA).
No concernente ao acto de delegação, deste consta a especificação dos poderes que são delegados e dos actos que o delegado pode praticar (artgº.37º/1 CPA). Ainda que seja uma questão omissa na hipótese, vamos admitir que o acto foi sujeito a publicação no Diário da República (artgº.37º/2 CPA), respeitando assim uma formalidade legalmente exigida.
- No respeitante agora ao acto de subdelegação, este obedece aos parâmetros normativamente fixados no artgº. 36º CPA: salvo disposição legal em contrário, deve ser precedido de uma autorização do órgão delegante nesse sentido para que o subdelegado – Secretário de Estado do Turismo – possa, legalmente, subdelegar essas competências noutro órgão administrativo. Mais uma vez inexiste no caso sub iudicio qualquer referência expressa a esta situação, pelo que se presume-se, congruentemente com o que foi acima exposto, que está em harmonia com todos os trâmites legalmente estabelecidos.

-No plano procedimental, por imposição legislativa, o Director-Geral doTurismo solicitou um parecer ao Instituto de promoção Turística (órgão consultivo) concernente às características do imóvel (artgº. 98º/2 CPA): há assim a necessidade de emitir o parecer, sem que isso corresponda, porém, à injunção de adoptar e seguir as suas conclusões:  a Administração pode, com efeito,  no exercício do seu poder discricionário, enveredar por trilho diverso. É de realçar que o parecer observou o dever de fundamentação legalmente exigido (artgº.99º/1 CPA), não constituindo causa de inquinação o facto de ter extravasado os critérios legalmente estabelecidos, visto ser portador de considerações a nível técnico.

- A inimizade entre o Director-Geral e a consequente projecção no curso do procedimento – decisão de não despachar o pedido e de propor o indeferimento do mesmo – consubstancia uma violação do princípio de imparcialidade (artgº6 CPA; artgº. 266º/2), gerando uma invalidade de índole material. A relação de inimizade perfilha, ademais, uma situação de escusa ou suspeição (artgº 48º/1/d-) CPA). Ainda que a sua substituição do órgão administrativo não constitua um imperativo – assim se distinguindo do impedimento -, deve este pedir escusa de participar naquele procedimento em virtude da ocorrência de uma circunstância que faz duvidar, com razoabilidade, da sua seriedade e rectidão. A decisão quanto à escusa caberia, nos termos do artgº.50/1 CPA, às entidades elencadas no artgº. 45/3 e 4, e seria proferida atendendo aos trâmites aí definidos.  Uma vez inquinado também no plano procedimental, o acto é anulável por força do dispositivo do artgº. 50º CPA.
- Formalidade decorrente da lei era outrossim, na instrução do procedimento, a obrigação de ouvir a CM de Ponte de Lima, que actua, no caso vertente, ao abrigo da sua competência consultiva (artgº.64/3 LAL). Esta mostra-se favorável à transformação do solar em hotel por ser conveniente ao desenvolvimento local, contribuindo assim com mais um elemento para a formação da vontade juridicamente relevante do órgão decisório.
- Emanada uma decisão –  e extinto, consequentemente, o procedimento  (artgº. 106º CPA) – deferindo o pedido, cumpre analisar duas realidades: primo, se o Secretário de Estado era, àquela data, o órgão competente para proferir uma decisão no caso concreto; secundo, se o acto administrativo decisório observou o dever de fundamentação legalmente exigido (artg. 124/1/a-) e c-) CPA).
No concernente à primeira questão, dispõe o artgº. 40 CPA que o acto de subdelegação só se extingue por revogação ou caducidade (alínea a-) e b-), respectivamente)). Não havendo qualquer delas – recusamos a possibilidade de ter havido uma revogação tácita – a competência para decidir cai ainda na esfera de actuação do Director-Geral do Turismo, pelo que o Secretário-Geral, ao decidir, esta a ferir o acto de incompetência (no quadro tradicional dos vícios do acto administrativo), determinando uma invalidade orgânica.
Conquanto o Decreto-Lei nºx/2003 não seja constitutivo de um direito subjectivo qua tale, não deixa, contudo, de atribuir uma situação jurídico-material de vantagem a todos aqueles que pretendam que exercer uma actividade económica no ramo da hotelaria, mediante o preenchimento de certos requisitos. Esta posição jurídica é reconduzível, por conseguinte, à figura do interesse legalmente protegido. A esta prerrogativa é garantida uma  tutela jurisdicional efectiva, operando o seu reconhecimento através da susceptibilidade de impugnação contenciosa de actos administrativos que lhe sejam lesivos (artgº. 268º/4 CRP).
 É nesta qualidade que António poderia, igualmente, ter intervindo no procedimento (artgº 53º CPA) e de ser informado, a título preliminar, acerca do sentido provável da decisão (artgº. 100º/1 CPA). No quadro principiológico, esta omissão procedimental representa uma violação do princípio da boa fé no seu vector mediante da materialidade subjacente (artgº. 266º/2; artgº6º/2/B-) CPA) e do princípio da colaboração dos particulares com a Administração (artgº7 CPA), particularmente premente em sede procedimental.
Dado o nexo umbilical entre o procedimento e os direitos fundamentais – mercê da “eficácia irradiante” dos últimos -, a inexistência de audiência dos interessados consubstancia uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando uma invalidade procedimental do acto administrativo e determinando, por conseguinte, a sua nulidade (artgº133º/1/d-). Esta posição é perfilhada, no plano doutrinário, entre outros, por VASCO PEREIRA DA SILVA  e MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO MATOS. Já FREITAS DO AMARAL, por colocar o cerne do procedimento num plano instrumental e, neste sentido, complementar da dimensão substantiva, entende que um acto deste tipo estará ferido de anulabilidade, o que implica, de iure condito, um tratamento diferenciado.
No que tange agora à fundamentação fornecida, a afirmação de que consiste “um facto público e notório que o Instituto de Promoção Turísitica se enganou sobre a estrutura do edifício” não é isenta de críticas. Aferida a natureza não vinculativa do parecer, sem prejuízo da sua obrigatoriedade ex lege, a fundamentação tem de consistir “na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão”. É exigido, por conseguinte, um quantum de objectividade, clareza e transparência, susceptíveis de acautelar os interesses particulares e de expressar um nível óptimo de decisão. Ora, arrogando-se à competência de se pronunciar acerca das qualidades ou patologias do edifício – matéria que, per si, requer um elevado rigor e conhecimento técnicos –o Secretário de Estado do Turismo está a desviar-se das atribuições do ministério e da pessoa colectiva em que se insere, imiscuindo-se nas atribuições de outra pesssoa colectiva pública  - Instituto da Promoção Turística – pertencente à Administração Indirecta do Estado.  Conquanto a atribuição do subsídio constitua um exercício com cabimento nos parâmetros formais da competência delegada, o Secretário de Estado actua em desconformidade com os limites que materialmente lhe impendem ao emitir um juízo de valor sobre as características do edifício, não gozando no plano técnico de habilitação para tal.
Quanto à concessão de um montante inferior ao do desejado pelo particular, esta foi justificada argumentando que “satisfazia inteiramente a pretensão” daquele, permitindo a adaptação do solar a hotel. Num plano material colocar-se-á a questão de saber se, em face da condição económica do particular, do estado de conservação do solar e do tipo de hotel projectado, a quantia concedida se revela, por imperativo de justiça (artg. 266º/2 CRP) como materialmente justa. Por outro lado, se a justificação do Secretário de Estado fosse comprovada, seria um exercício desmedido de uma situação jurídica de vantagem se o particular viesse exigir mais do que é necessário para a satisfação do seu interesse.
Traçada a tela das patologias, pode António impugnar o presente acto administrativo com diversas fundamentações, tendentes à efectivação e realização da tutela jurisdicional plena que é conferida ao seu interesse legalmente protegido (artgº. 268º/4 CRP).

Afonso Diogo, nº. 140110023

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