sexta-feira, 23 de março de 2012

Greve Geral, a melhor solução?


Não nos pode ser indiferente a Greve Geral realizada ontem, dia 22-03-2012, que ficou marcada por intervenções policiais em diversas ocasiões. Como todos sabemos o Direito à Greve é um dos muitos (talvez excessivos) direitos consagrados na nossa Constituição, nomeadamente no  seu artigo 57º. As associações sindicais, representadas pela CGTP, organizaram, uma vez mais, uma Greve Geral como forma de mostrarem a sua insatisfação contra aquilo que são, nos nossos dias, as condições laborais, contra os cortes nos subsídios da Função Pública, entre muitas outras medidas que estão a ser tomadas no âmbito deste regime de austeridade que afecta o nosso país.
Em tom de debate pergunto-vos, caros colegas, qual a vossa opinião sobre esta forma de demonstração de insatisfação por parte da classe trabalhadora. Será a "greve" uma boa maneira de passar a mensagem, ou haverão, no vosso entender, melhores soluções!?
(Deixo aqui uma notícia de um site "independente" que vale o que vale e, em baixo, o link de um dos muitos episódios que marcaram a Greve Geral, os confrontos entre manifestantes e a PSP)

"A polícia e elementos da manifestação promovida pela plataforma 15 de Outubro envolveram-se esta tarde em confrontos junto ao Largo do Chiado, tendo provocado feridos ligeiros.
Segundo testemunhas no local, os confrontos começaram quando manifestantes arremessaram objectos contra elementos da PSP junto à esplanada do café Brasileira, no Chiado.
Na esplanada, foram derrubadas cadeiras, mesas, chapéus-de-sol, e os clientes que se ali se encontravam tiveram que fugir rapidamente para não serem atingidos por objetos e pedras da calçada.
A PSP reforçou a sua presença na manifestação com elementos das Equipas de Intervenção Rápida (EIR), e do Corpo de Intervenção que estão a ser apoiados por 10 carros que acompanham o desfile.
Durante os confrontos entre manifestantes e polícias, o fotojornalista da agência Lusa, que se encontrava no local a fazer a cobertura do acontecimento, foi agredido.
Já no chão, o repórter fotográfico identificou-se como jornalista e continuou a ser agredido, necessitando de assistência hospitalar.
Cerca de 150 manifestantes, entre os quais elementos da plataforma 15 outubro, começaram a desfilar pela Av. Almirante Reis até ao Rossio, em Lisboa, atirando ovos às instalações das instituições bancárias por onde passavam.
Os ânimos exaltaram-se junto à sede do Banco de Portugal na Almirante Reis, onde a polícia foi obrigada a intervir para acalmar os manifestantes.
Alguns ovos foram atirados de propósito para pessoas que estavam a levantar dinheiro nas caixas de multibanco das instituições bancárias.
O percurso dos manifestantes começou por ser acompanhado por batedores da polícia e no final, junto do Rossio, passaram a ser três carros do Corpo de Intervenção.
Os manifestantes seguiram para a Assembleia da República para se juntarem a manifestação promovida pela CGTP.
Já no Parlamento, pelo menos uma pessoa ficou ferida.
Os ânimos exaltaram-se enquanto Arménio Carlos discursava. No meio da confusão, um jovem ficou ferido na cabeça e foi socorrido por uma pessoa que tentou estancar a hemorragia com uma toalha.
Nesta manifestação estão presentes trabalhadores que reponderam ao apelo da CGTP e um grupo de trabalhadores precários."

quinta-feira, 22 de março de 2012




Estado-Prestador, Estado-Social... Será?!
Hipótese Prática:


No presente caso estamos perante um pedido de um particular (Afonso), com vista à obtenção de uma licença de construção de um colégio. Ele solicita tal licença à Camara Municipal de Lisboa. Não há aqui nenhuma invalidade em razão de competência.
            A Câmara indeferiu o pedido, pois já o fizera há um ano atrás. Coloca-se a questão de saber se compete à Câmara fazê-lo, sem mais. A meu ver isto é claramente contrário ao Princípio da Imparcialidade e passo a explicar. Faz sentido recusar-se a apreciação a um pedido que fora indeferido à pouquíssimo tempo atrás. Agora já será ir longe de mais arrogar-se de tal faculdade, independentemente do lapso temporal que houvera. Neste caso concreto já passou um ano, prazo dentro do qual muitos factos essenciais à decisão anterior se podem ter alterado. Daqui que voltou sublinhar que tal circunstância será contrária ao Princípio da Boa Fé e ao Princípio da Imparcialidade.
            Afonso reclama a decisão junto do Vereador da Câmara. Segundo o artigo 158º número dois alínea b) do CPA, A devia ter reclamado junto do autor do acto que visa reclamar ou de um seu superior hierárquico. Neste caso não saberemos quem lhe recusou a licença, pois fala-se em “a Câmara Municipal de Cascais”. De qualquer das maneiras A intentou acção juntou de um Vereador da Câmara, que é seu filho. Deliberando seis membros acerca desta questão e sendo um deles o filho de A, estamos perante uma violação do Princípio da Imparcialidade. Extrai-se do artigo 44º número um alínea b) do mesmo Código, que é causa impeditiva ser-se parente em linha recta. Verificado este pressuposto, o filho de A deveria ter-se excluído da votação.
            A comissão de deliberação fundamenta a sua decisão com cinco argumentos, que A refuta quando recorre hierarquicamente para o Presidente da Câmara. Como já vimos, pode fazê-lo segundo o artigo 158º do CPA. O Presidente é o superior hierárquico efectivamente. Acerca do primeiro argumento não temos dados suficientes para concluir o que quer que seja.
            Em relação à proibição de pintar, devemos concluir que há de facto legislação que obriga um empreiteiro a ter certas medidas em conta. Parece-me porém excessivo proibir a escolha de uma determinada cor, por ofender a estética  da povoação. Isto é atentório à Autonomia Privada e ao Princípio da Justiça, elencados como um dos princípios fundamentais da Adminsitração no artigo 266º da Constituição.
            Quando A sublinha que há imensas construções já naquela zona, mesmo sendo uma zona non edificandi e que como tal também a ele deve ser cedida licença de construção, deparamo-nos desde logo com um raciocínio erróneo. Não é por outros estarem mal, que a minha atitude idêntica passa a ter-se como correcta. Quer isto dizer que A não tem qualquer direito a esta licença baseado neste facto, somente terá uma faculdade de intentar uma acção contra aqueles proprietários de construções naquela zona. 
            De seguida e para terminar afirma que lhe fora, ao longo do procedimento, dito que o pedido seria deferido. Como consequência disto, começara já as obras para adiantar trabalho. Visto que o pedido de A fora já várias vezes recusado, levando a recorrer ao Presidente da Câmara, podemos concluir positivamente que A poderia no mínimo não afastar a possibilidade de obter uma resposta negativa. Não é a meu ver então violado o Princípio da Boa Fé, criando em A uma legítima expectativa, pelas razões enunciadas acima. Acresce a isto que A deverá esperar sempre pela decisão final, no fim do procedimento.
            No seu recurso A não refutou dois argumentos invocados pela comissão deliberativa que lhe, outra vez, negou a licença: de não respeitar as distâncias mínimas previstas no artigo 1360º do Código Civil e no regime geral dos edifícios urbanizados, e que a construção de duas chaminés agravar a situação atmosférica daquela zona. Em relação ao último argumento, podemos concluir que tal argumentação não tem razão se ser e que é contrária ao Princípio da Proporcionalidade.
            Finalmente e para concluir, a penúltimo argumento invocado. Se uma construção não respeitar as distâncias mínimas previstas no regime geral dos edifícios urbanizados, não deve ser-lhe cedida licença. Resta averiguar se as normas do Código Civil se aplicam aqui, por sabermos estar num modelo administrativo muito parecido ao francês. Em ambos dá-se tratamento per se ao Direito Administrativo. Porém não deve deixar de ser ter em conta, a meu ver, as disposições do Código Civil por achar que podem e devem ter-se em conta aquando problemas deste gênero.




                                                                                                                                                                                                                                                       Thomas Kleba
                                                                                                          Nº aluno: 140110089
                                              

CASO PRÁTICO



A presente hipótese prática suscita questões relativamente às seguintes actuações administrativas: recusa de apreciação de pedido de licença de construção, deliberação do vereador e de seis membros e recurso hierárquico.

No que concerne à recusa de apreciação do pedido de licença de construção, não existe nenhum vício orgânico, já que a Câmara Municipal é órgão competente para o efeito, ao abrigo do disposto no art 64º/5 a) da Lei das Atribuições e Competências das Autarquias Locais. Haverá que indagar se a recusa é legítima, mormente já ter sido negada a sua pretensão em momento anterior. Ora o art 9º/1 do CPA consagra o Princípio da Decisão, estabelecendo que qualquer órgão, quando chamado a pronunciar-se sobre determinada matéria que cai no seu âmbito de competência, tem um dever de decisão que decorre da natureza pública da função desempenhada. Não obstante, vem o nº 2 do referente artigo introduzir uma excepção, sendo que essa obrigação não se verifica no caso de a Administração ser contemplada com exactamente o mesmo pedido e a mesma causa. Logo, conclui-se ser a recusa materialmente conforme.

Em relação à deliberação sobre o indeferimento do pedido, prima facie, a nível procedimental dir-se-iam verificadas as regras quanto ao quórum de deliberação: o art 22º/1 CPA exige a maioria do nº legal dos membros há 10 vereadores na CM de Cascais, logo estando 6 pessoas reunidas, a maioria simples estaria preenchida. No entanto, a deliberação está inquinada devido à participação na mesma por parte do filho do interessado, resultando clara a violação do Princípio da Imparcialidade, ao abrigo do disposto no art 44º/1b) do CPA. Ora esta situação consubstancia uma invalidade comulada, pois se por um lado determina um vício material, igualmente se apresenta como uma invalidade procedimental, pois havendo uma causa de impedimento de um dos vereadores, este não poderia ter votado, e como tal não teria sido atingido o quórum de deliberação.

Quanto às alegações que acompanham o recurso hierárquico, a verificação de que os projectos constam do processo determina que o argumento não proceda por erro juridicamente relevante. A actuação da Administração tem de ser correcta e de acordo com as regras da formação da vontade. A doutrina diverge quanto à recondução do erro a um regime, sendo que o Prof. Freitas do Amaral considera uma fonte autónoma de validade ao lado da ilegalidade, enquanto que o Prof. Marcello Caetano quadra o instituto do erro no âmbito da ilegalidade, que afirma ser uma figura mais ampla que abrange os vícios que inquinam a formação da vontade. O Prof. Vasco Pereira da Silva propugna a tese defendida pelo Prof. Macello Caetano, havendo aqui uma actuação contrária à lógica de legalidade.

Relativamente à proibição de pintar de laranja o colégio, as actuações da Administração visam a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos fundamentais (art 266º/1 CRP). Ora a harmonização das construções apresenta-se como um interesse legítimo a considerar pela Administração, mediante regras de planeamento de território que estabeleçam certa paleta de cores com o intuito de preservar património cultural. Poderia haver aqui uma questão de discriminação caso a decisão se baseasse em preconceitos cultural ou ideológicos. No entanto, não se nos afigura que aqui se trate do caso, e por conseguinte não terá havido uma violação de direitos fundamentais.

Mormente a alegação de discriminação da CM por lhe ter sido negada a construção naquela zona, quando outros o haviam feito, tratando-se de uma zona non edificandi, a declaração da natureza dessa zona não tem alcance retroactivo e portanto não afecta as edificações já construídas. Já se as referências feitas por Afonso são relativas a construções recentes, ele pode impugná-las e pedir a sua anulação. O que não pode é vir invocar o incumprimento da lei para seu benefício.

No concernente ao problema levantado pela existência de duas chaminés, que viria agravar a poluição atmosférica, não se afigura que haja uma verdadeira relação causa-efeito. Para mais se o interesse público em questão é a protecção ambiental, a proibição da construção devido às duas chaminés é desrazoável, consubstanciando uma violação do Princípio da Proporcionalidade. Mais adequada teria sido uma medida que determinasse a alteração do projecto. O fundamento não é portanto nem adequado nem proporcional ao fim em causa, logo a alegação da CM não procede.

Quanto ao último ponto justificativo da recusa, trata-se de um critério material perfeitamente válido, já que há razões prementes que justificam a proibição como a salvaguarda da intimidade das pessoas, saúde pública, defesa ambiental, etc.

À que atentar por fim ao facto de ter sido dada a Afonso uma orientação diferente em audiência dos interessados relativamente ao sentido da decisão. O procedimento está por isso inquinado devido à preterição dos trâmites normais – a audiência dos interessados (vide art 100º CPA). Nada obsta a que a Administração mude de opinião, mas se o faz tem de proceder a nova audiência dos interessados. A audiência dos particulares é um direito, havendo até quem a eleve à categoria de direito fundamental (o Prof. Vasco propende para esse sentido, considerando ainda que a sua preterição traduz uma nulidade. Contrariamente o Prof. Freitas do Amaral não acha que esteja em causa um direito fundamental e reconduz o vício à anulabilidade). Não tendo tal aqui ocorrido, a actuação da Administração está ferida de uma invalidade procedimental. Haveria ainda que levantar a possibilidade de violação da confiança do particular (Princípio da Boa Fé). No entanto, apenas o sentido da decisão final é de facto vinculativo, logo se o particular já começou as obras, sibi imputet.

                                                                                              Ana Luísa Carvalho de Melo

                                                                                              140110094

Resolução da Hipótese Prática nº 1


Encontram-se em causa três actos administrativos: a recusa de apreciação do pedido de Afonso, a deliberação da Câmara sobre este pedido (que, após a intervenção de um vereador da Cãmara, é apreciado) e o recurso hierárquico para o Presidente da Câmara Municipal.
É da competência da Câmara Municipal a atribuição de licenças para construção de edifícios, nos termos da al a) do nº5 do art. 64º da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro. Encontrava-se também reunido o quórum necessário para a deliberação, de acordo com a al. c) do nº2 do art. 57º e o nº1 do art. 89º do mesmo diploma (os seis membros presentes perfaziam a maioria do número legal dos membros da Câmara, uma vez que esta tem onze membros).
A participação do filho de Afonso (vereador e membro da Câmara Municipal de Lisboa é uma clara violação do Princípio da Imparcialidade, previsto nos artigos 6º do Código de Procedimento Administrativo (doravante designado por CPA) e nº2 do art. 266º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP). Este princípio estabelece que o vereador deveria ter actuado de forma isenta relativamente aos interesses em jogo no que toca ao processo de decisão do pedido de Afonso. Uma vez que Afonso é familiar em linha recta de um membro da câmara, estamos perante um caso de impedimento na participação do procedimento, nos termos da al. b) do nº1 do art. 44º CPA. A sanção para um acto que tenha sido aprovado com este vício será a anulabilidade, nos termos do nº1 do art. 51º do CPA.
Afonso teria também a faculdade de recorrer do acto administrativo ao superior hierárquico, de acordo com o estabelecido no art. 166º do CPA.
Vejamos então os argumentos deduzidos tanto pela Câmara como a sua refutação por Afonso. Em primeiro lugar, se a apresentação dos projectos na especialidade é requisito legal para a atribuição da licença, Afonso deveria tê-los apresentado. Se os apresentou, a Câmara incorre num vício da vontade, ao actuar com base em erro. Por outro lado, se é verdade que a Câmara Municipal não podia proibir Afonso de pintar a casa de cor-de-laranja, esta proibição não se consubstancia numa violação dos seus direitos fundamentais ou ainda fruto de discriminação por pertencer ao PSD.
É também violado o princípio da Igualdade, previsto no nº2 do art. 266º da CRP e no art. 5 do CPA. Embora a licença de construção do colégio não tenha sido atribuída porque a zona de construção era uma área non edificandi, a verdade é que existem outras edificações na mesma área. A Câmara Municipal não deveria ter conferido tratamento diferenciado para as várias construções na área, não existindo fim material que o justifique. Mas, se a atribuição desta característica à zona foi feita depois da construção destes edifícios, o princípio da igualdade foi respeitado.
Quanto à construção das duas chaminés é necessário tomar em conta as características das mesmas e verificar se de facto foram respeitados o princípio da proporcionalidade (as características da construção têm de ser adequadas ao seu fim) e regras de saúde pública e ambiente.
Nos termos do art. 100º do CPA, os interessados deveriam ter sido ouvidos pela entidade administrativa antes da tomada da decisão. Assim, se o sentido provável da decisão não corresponde à decisão, deveria ter havido uma outra audiência a Afonso, sob pena de existir uma invalidade procedimental (Afonso teria sempre um direito de defesa prévio à lesão). Ocorrendo todos estes pressupostos, nunca se poderia afirmar que Afonso merecia ser compensado pelos gastos dispendidos com as obras que terá iniciado, uma vez que o procedimento ainda não estava concluído. Só se poderia ter verificado uma violação do princípio da boa fé se a tutela da confiança de Afonso tivesse sido violada após a tomada de decisão da Câmara Municipal ou se o sentido provável da decisão (conforme comunicado a Afonso) não correspondesse à decisão administrativa per se. 


Deixo também em baixo os casos práticos da aula passada e poderão ver aqui uma notícia referente a uma violação do Princípio da Imparcialidade: uma situação em que a Presidente da Unidade Local de Saúde da Guarda nomeou o marido para o cargo de auditor interno da mesma instituição.

Casos práticos


1. Ana pretende construir uma moradia de habitação num terreno que lhe foi deixado em herança pela sua tia-avó. Para isso, apresenta o projecto de arquitectura na Câmara Municipal, para atribuição de licença e alvará de construção. Carlos, pai de Ana e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa é chamado a decidir sobre a questão, tendo deferido as pretensões de Ana. Bernardo insurge-se contra esta decisão, argumentando que Carlos não deveria ter participado na sua deliberação, uma vez que é pai de Ana. Quid iuris?

2. A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa abriu um concurso público para contratação de um professor auxiliar. Concorrem oito pessoas, sendo os concorrentes mais qualificados Carolina e Duarte. Para além disso, um dos jurados é Eduardo, tio de Duarte. O júri seleccionou Duarte mas Carolina não aceita a decisão, admitindo que esta violou o princípio da imparcialidade. Quid iuris?

Resolução do caso prático nº1

Primeiro que tudo, importa salientar que os actos administrativos presentes neste caso são a solicitação por parte de Afonso à Câmara Municipal de Cascais para construir um colégio naquela zona, a recusa da Câmara Municipal de Cascais em analisar o pedido de Afonso, o posterior indeferimento do pedido de Afonso por parte da Câmara Municipal de Cascais depois de esta deliberar sobre o assunto e o recurso hierárquico de Afonso para o Presidente da Câmara com as correspondentes fundamentações.
Antes de analisar os argumentos utilizados por cada uma das partes, devemos salientar que, de acordo com a alínea q) do número 1 do artigo 64º da lei nº169/99, de 18 de Setembro, é a Câmara Municipal o órgão competente para aprovar projectos, programas de concursos, caderno de encargos e a adjudicação relativamente a obras e aquisição de bens e serviços. Logo, seria a Câmara Municipal de Cascais o órgão competente para aprovar o projecto de Afonso neste caso.
A recusa da Câmara em apreciar o pedido de Afonso é legítima, dado que o facto de o mesmo pedido havia sido, nas mesmas condições à partida, indeferido há um ano pela mesma, pelo que este órgão pode recusar a análise do pedido de Afonso nesta situação. Verifica-se aqui um caso de exercício do poder discricionário da Administração Pública, uma vez que a Câmara Municipal tem liberdade para, neste caso, voltar a apreciar ou não voltar a apreciar o projecto de Afonso.
A Câmara Municipal não deveria ter posteriormente analisado o projecto de Afonso, pois um dos vereadores intervenientes neste processo era o próprio filho de Afonso. Neste caso, segundo a alínea b) do número 1 do artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o filho de Afonso estava impedido de participar na análise do projecto do seu pai ( que é seu parente em linha recta) e, segundo a alínea a) do número 1 do artigo 48º do mesmo código, este deveria ter pedido dispensa de intervir neste procedimento.
O indeferimento do projecto pela Câmara Municipal seria, à partida, válido, pois a Câmara Municipal de Cascais possui, de acordo com a alínea c) do número 1 do artigo 57º do CPA, dez vereadores (é um município com mais de 100.000 eleitores) mais o Presidente, o que faz com que sejam 11 os membros deste órgão autárquico. Ora, neste caso, estavam presentes na deliberação sobre o projecto de Afonso seis membros (mais de metade dos membros da Câmara), o que faz com que este órgão pudesse, de acordo com o número 1 do artigo 22º do Código do Procedimento Administrativo, deliberar e com que o acto fosse à partida válido, se o filho de Afonso tivesse pedido excusa. No entanto, como à partida o filho de Afonso não pediu escusa, este acto é anulável de acordo com o número 1 do artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo.
O recurso hierárquico de Afonso para o Presidente da Câmara Municipal de Cascais é válido, pois, de acordo com o número 1 do artigo 158º do Código do Procedimento Administrativo, os particulares podem solicitar a revogação ou a modificação dos actos administrativos nos termos previstos naquele código e, segundo a alínea b) do número 2 do mesmo artigo, o direito reconhecido no número anterior pode ser exercido mediante recurso para o superior hierárquico do autor do acto, para o órgão colegial de que este seja membro, ou para o delegante ou subdelegante.
Vamos agora analisar os argumentos invocados pela Câmara Municipal de Cascais e por Afonso.
O primeiro argumento utilizado pela Câmara Municipal de Cascais deve, à partida, proceder, pois Afonso deveria ter reunido os projectos na especialidade exigidos por lei para que estes fossem convenientemente analisados pela Câmara. O facto de Afonso afirmar que reuniu os projectos tempestivamente não deve ser considerado válido.
Quanto ao segundo argumento utilizado pela Câmara (o facto de o colégio cor-de-laranja ofender a estética da povoação), devemos considerar que este argumento não deve proceder por várias razões. Segundo o artigo 121.ºdo Regime Geral das Edificações Urbanas, as construções em zonas urbanas ou rurais, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização
estética do conjunto em que venham a integrar-se e não poderão erigir-se quaisquer
construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens. No entanto, se o facto de Afonso pintar o prédio de cor-de-laranja não violar a estética da povoação de forma grave nem comprometer o aspecto global de Cascais, então o argumento da Câmara não deverá proceder. Para além do mais, neste caso, teríamos de considerar que, caso o colégio cor-de-laranja não ofendesse a estética da povoação, Afonso teria razão ao afirmar que o facto de não o deixarem pintar o colégio daquela cor violava o seu direito à liberdade artísticca e de expressão pessoal e constituía uma manifesta perseguição política por ser militante do PPD-PSD. Para além do mais, a recusa da Câmara em deixar Afonso pintar o colégio de cor-de-laranja, caso lhe seja permitido permitir o prédio desta cor, viola os princípios da igualdade e da imparcialidade, pois provavelmente, se Afonso não fosse militante fervoroso do PPD-PSD, já poderia pintar o colégio de cor-de-laranja (admitindo que os planos de ordenamento de território e o PDM não obstam a que existam prédios em Cascais pintados de cor-de-laranja).
O terceiro argumento invocado pela Câmara Municipal também não deverá proceder, uma vez que, se se verificar que existem mais construções na área em que Afonso pretende construir o colégio, a recusa da Câmara em permitir a construção deste edifício viola o princípio da igualdade.
O quarto e o quinto argumentos da Câmara Municipal de Cascais não deverão proceder caso se verifique que não se impede a construção de edifícios com duas chaminés naquela área e se as distâncias mínimas estabelecidas por lei forem respeitadas. Se não forem respeitadas as distâncias mínimas exigidas pelo Regime Geral das Edificações Urbanas e pelo artigo 1360ºdo Código Civil, então o colégio não deverá ser construído naquelas condições.
O quarto argumento utilizado por Afonso não deverá proceder. Segundo o número 1 do artigo 100º do CPA, os interessados têm o direito de ser ouvidos antes de ser tomada a decisão final, nomeadamente sobre o sentido possível desta. Logo, o facto de, no momento da audiência dos interessados, a Câmara ter dito a Afonso que iria autorizar o projecto de Afonso e depois ter vindo a indeferir o mesmo num momento posterior violaria o princípio da boa-fé se tivesse havido uma decisão final. Neste caso, Afonso deveria ser indemnizado pela Câmara Municipal por as suas expectativas quanto à construção do colégio terem sido violadas por este órgão, que deveria repor o interesse contratual negativo (a situação em que Afonso estaria se nunca tivesse confiado que o seu projecto ia ser autorizado) e assim indemnizá-lo pelos prejuízos que este sofrera ao pressupor que a obra iria ser permitida e pagar a quantia que Afonso teve de dispender com o início das obras. Contudo, como Afonso começou a construir antes da decisão final ter sido proferida, os prejuízos do mesmo serão apenas suportados por ele, e não pela Câmara Municipal de Cascais.

Guilherme Gomes

quarta-feira, 21 de março de 2012

Caso Prático nº1: a minha resolução

As actuações administrativas aqui relevantes são: o pedido de Afonso relativo à licença de construção de um colégio à Câmara Municipal de Cascais; a recusa da CMC a apreciar o pedido; a decisão da CMC em indeferir o pedido e respectiva fundamentação; a intervenção do Presidente da CMC, face a recurso por parte de Afonso da decisão da última, e a fundamentação do requerente. 

A partir o artigo 74º do CPA, inclui-se o pedido de Afonso à CMC na marcha do procedimento, sob a forma de requerimento inicial.
A CMC recusa-se, num primeiro momento, a apreciar o pedido de Afonso, por já o ter indeferido no ano interior. Ora, estando no plano do poder discricionário, sabemos que a Administração é dotada desse mesmo poder aquando da decisão de praticar ou não certo acto administrativo.
Posteriormente, e após tomar conhecimento da decisão da CMC, Afonso dirigiu-se ao seu filho, vereador da Câmara Municipal em questão. Aqui, deve afirmar-se a violação de um princípio material da Administração, consagrado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, o Princípio da Imparcialidade. Recorrendo ao artigo 44º do CPA, e à alínea b) do seu nº1, depreendemos estarmos perante uma relação de 1º grau da linha colateral, uma relação de pai e filho, e, portanto, uma invalidade material.
A CMC veio depois decidir por unanimidade de seis membros indeferir, novamente, o pedido de Afonso. Aqui, pode identificar-se um caso de ‘venire contra factum proprium’, visto ter ido a Câmara contra uma prévia decisão, a de não conhecer sequer do pedido. A CMC violou, na verdade, e materialmente, os seus próprios critérios, podendo, comotal, invocar-se ainda violação do Princípio da Boa Fé. Mas, além disso, podiam levantar-se questões quanto ao facto de a decisão ter sido tomada por unanimidade de apenas seis membros. Para tal, deverá recorrer-se aos artigos 22º e seguintes do CPA.
No entanto, ainda assim, há que apreciar brevemente a fundamentação da CMC face ao indeferimento do pedido de Afonso. Tendo em conta o Regime Geral das Edificações Urbanas, que no título IV relativo às ‘condições especiais relativas à estética das edificações’ (artigo 121º a 127º), não parecem existir referências a cores mais ou menos adequadas para a construção, neste caso, de um colégio. Assim sendo, o argumento que considera um colégio cor de laranja como ofensivo da povoação não será atendível.
No entanto, mais importante que os argumentos d CMC em indeferir o pedido da licença de construção, é o que aconteceu seguidamente. O que há a dizer acerca do facto de Afonso recorrer hierarquicamente ao Presidente da CMC? De acordo com o artigo 158º do CPA nº2 alínea b), Afonso tem reconhecido o seu direito a recorrer ao superior hierárquico, a solicitar a revogação ou modificação da decisão da CMC.
O argumento do requerente de que a proibição de pintar o colégio de cor de laranja é um atentado aos seus direitos de liberdade pessoal e artística, e ainda um manifesto atentado político, por ser conhecido o facto de Afonso ser um militante fervoroso do PSD, poderá levantar um problema de invalidade material. Isto por estar em causa o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 266º nº2 da CRP. Uma decisão baseada em preferências políticas não parece aceitável.
O argumento seguinte, que aponta o facto de existirem na zona outras construções, afasta o correspondente argumento da CMC (que afirma estar em questão uma zona ‘non aedificandi’). Mais uma vez, parece estar aqui presente uma violação do Princípio da Igualdade, pois Afonso está a ser discriminado face aos outros proprietárias das construções que constam daquela zona.
Finalmente, no que respeita ao sucedido da audição dos interessados, a mesma está consagrada no artigo 100º do CPA. Se atentarmos ao nº1 do mesmo preceito: “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” Ora, parece que, neste caso concreto, foi dado a entender a Afonso de que o seu pedido seria deferido, e este, consequentemente, deu início às obras para adiantar trabalhos. Estamos perante a violação dos princípios da Justiça e da Boa Fé, pois a tutela da confiança de Afonso foi violada. Este acreditou que o seu pedido tinha sido aceite, e procedeu de imediato às diligências necessárias.
Deve ainda referir-se o facto de a CMC, tendo em conta o que transmitiu a Afonso nessa audiência dos interessados, ter, posteriormente, indeferido o pedido, caindo em violação do Princípio da Boa Fé. Foi contra uma sua própria decisão tomada previamente, alterando-a, indo assim contra a primeira. No fundo, há de novo um caso de ‘venire contra factum propium’.

Endividamento das autarquias?

http://publico.pt/1538654

António José Ganhão, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP), considerou nesta terça-feira que deve haver "algum erro de informação" para que o ministro avance com um valor de endividamento das autarquias de 12 mil milhões, quando a ANMP reportou cerca de 8 mil milhões, na semana passada.

Ganhão disse estar surpreendido com o aumento do valor do endividamento autárquico para os 12 mil milhões. "Julgo que haverá algum erro de informação ao senhor ministro. Não quero com isto pôr em causa as afirmações do senhor ministro. No entanto, admito que possa haver uma situação destas, porque o valor é demasiado elevado para aquilo que está contabilizado”, afirmou.Ganhão é autarca de Benavente e sublinhou que, “até que demonstrem o contrário”, a ANMP “tem de dizer que a dívida deve ser muito próxima daquela que está contabilizada pela Direcção-Geral de Autarquias Locais, ou seja 7800 milhões de euros.”Ribau Esteves, vice-presidente da ANMP, lamentou nesta terça-feira, em declarações à TSF, que o Governo critique o endividamento das autarquias mas não fale das dívidas da administração central.“O senhor ministro, de dois em dois dias, fala das dívidas das autarquias, mas eu gostava muito mais de o ouvir falar dos 200 mil milhões de dívida que o Estado português tem por culpa da administração central, dos 46 mil milhões de dívida das empresas públicas de Portugal”, disse Ribau Esteves.O também presidente da Câmara Municipal de Ílhavo criticou ainda que haja “dinheiro para tudo”, referindo nomeadamente as regiões autónomas, e lamentou que o Executivo não tenha negociado com a troika sobre esta matéria, já que sabia que as autarquias “têm um pequeno problema” de endividamento.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Magistrada sem direito a dispensa de sábado religioso

Notícia retirada do Jornal Público:
«A magistrada reivindica o direito à liberdade religiosa. Um acórdão daquele tribunal superior estipula que, "no caso de conflituosidade de dois interesses fundamentais, um de natureza pública e outro privado, por princípio, deve prevalecer o interesse público".

Em Abril do ano passado, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou (com uma abstenção) indeferir o pedido da procuradora para ser dispensada dos turnos de serviço urgente que assegura, aos sábados, na comarca onde trabalha. Pedido esse fundado em "razões de culto religioso", já que a referida magistrada é membro de uma organização religiosa que a obriga a "guardar o sábado como dia de descanso, adoração e ministério", refere o acórdão. 

Para que essa obrigação seja cumprida a referida Igreja enviou ao Governo, em 2010, uma lista com indicação dos períodos horários dos dias de descanso relativos a 2011. A magistrada requereu então ao seu superior hierárquico a dispensa do seu trabalho nos turnos marcados para os sábados em 2011. Pedia também autorização para compensar esses dias com outros dias de turno que não coincidissem com o sábado. Essa pretensão foi indeferida por decisão do Conselho Superior do Ministério Público com o fundamento de que as funções que a magistrada exerce não correspondiam a um horário de trabalho flexível previsto no artigo 14.º da Lei de Liberdade Religiosa (LLR). De acordo com o que este estabelece, "os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam". 

Direitos humanos em causa

Em resposta ao recurso interposto pela procuradora, o STA considerou, independentemente da análise dos aspectos processuais que, "o interesse público assume uma muito maior relevância do que o interesse da requerente", não se vendo que "o indeferimento da sua pretensão possa contribuir para a constituição de uma situação de facto irreversível ou "determinar a produção de prejuízos irreparáveis" 

Em declarações ao PÚBLICO a propósito deste caso, Jonatas Machado, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, salientou que "também é do interesse público garantir o direito da liberdade religiosa, um direito constitucionalmente protegido" e observou que "os direitos humanos prevalecem diante do interesse público".

Jonatas Machado frisou ainda que "a liberdade é a regra, a restrição é que é a excepção e tem de ser devidamente fundamentada". 

"Com jurisprudência como esta, não admira que Portugal seja tantas vezes condenado no Tribunal dos Direitos do Homem". »

Deparei-me, hoje, com esta notícia e não pude deixar de ficar surpreendida. De facto, apenas me resta salientar o que o Prof. Jonatas Machado referiu (e muito bem) que "a liberdade é a regra, a restrição é que é a excepção (...)".

Com esta ânsia tão grande que este país parece ter de proclamar a liberdade, acaba por falhar no mais importante, na defesa dos direitos humanos e, neste caso, violou um dos principais... o direito à liberdade religiosa!

Termino citando o nº2 do artigo 41.º da nossa Constituição:


"Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres
cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa."

terça-feira, 13 de março de 2012

Debate sobre a concepção tripartida e a concepção unitária de direito subjectivo público

Equipa a favor da concepção tripartida de direito subjectivo público

Guilherme Gomes
Joana Anjos
Pui Ian Lam

Equipa a favor da concepção unitária de direito subjectivo público

Duarte Martins
João Perdigão
Miguel Diniz

sexta-feira, 9 de março de 2012


 Colhe o Dia, Porque És Ele

Uns, com os olhos postos no,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis, in " Odes"


Perguntar-se-á em que medida o estoicismo de Ricardo Reis e a sua busca insaciável pelo prazer do momento se relacionam com o estudo do Direito Administrativo. Prima facie ,tratar-se-á, de certeza, de uma disfunção. Como relacionar realidades tão dispares e antagónicas, cada uma pertencente a um ramo específico do Saber? Como superar os contrastes quanto aos respectivos enquadramentos e finalidades?
A poesia representa, à semelhança do Direito, uma das manifestações mais imediatas do génio humano. Menosprezar o poder das palavras é, necessariamente, subvalorizar as potencialidades do Homem para se regenerar e reinventar e, ainda mais importante, para se relacionar e realizar. Assim, no quadro de uma " personificação" do Direito Administrativo, sorrorrer-me-ei do génio de Pessoa para retratar, ainda que de forma embrionária, a evolução, a actualidade e os desafios do Direito Administrativo.

" Uns, com os olhos postos no passado, vêem o que não vêem":

O Estado Liberal de Direito representa, se quisermos, o primeiro modelo sistemático e organizado da Administração Pública. A realidade efervescente que caracterizou o período subsequente à Revolução Francesa de 1789 influenciou decisivamente a construção do paradigma administrativo: imperativos de ordem e segurança públicas, harmónicos com um princípio de separação de poderes estático e rígido, legitimaram uma matriz autoritária e centralizada do Direito Administrativo, encarado como o complexo normativo privativo da Administração. O endeusamento do acto administrativo contribuiu para sua configuração enquanto instrumento de actuação único das entidades administrativas, titulares de " prerrogativas exorbitantes" para o exercício da sua actividade.
O compromisso com o Estado de Direito, ainda que formalmente assegurado com o princípio da legalidade, claudicou redondamente, evidenciando perplexidades: o indíviduo, se num momento (constituinte) era encarado como um vértice apriorístico e superior ao próprio Estado, noutro constituia objecto da actuação discricionária da Administração. Não só o movimento legiferante foi exíguo, como não foram outrossim assegurados mecanismos de protecção jurisdicional das garantias dos particulares: " julgar a Administração é ainda, e deve continuar a ser, administrar" como lapidarmente propugnou CHAPUS, determinando o florescimento de uma arquitectura jurisdicional privativa.

O despontar do Estado Social e da Administração prestadora constituiu uma superação de algumas das incongruências da construção liberal. Os excessos da industrialização e do capitalismo constituiram um fenómeno de consciencialização colectiva no tangente às funções do Estado: perante uma patente deterioração do tecido social, a máquina estadual assume as rédeas da vida económica, social e cultural, intervindo em múltiplos sectores da vida social. A Administração Pública, originariamente distante da sociedade, relaciona-se e interliga-se agora com ela, escrevendo mais um capítulo na dinâmica evolutiva do Direito Administrativo: o Welfare State é, antes de mais, o Estado-Administração.

" Este é o dia, está é a hora, este é o momento isto / É quem somos, e é tudo"

A abordagem tentacular e omnipresente que caracterizara o último período pecou igualmente pelos seus excesssos: a máquina administrativa de prestações não soube acompanhar a incessante diversificação dos fins da colectividade, e o aparelho prestador não tardou em evidenciar as suas insuficiências. Concomitantemente, as adversidades no plano económico e financeiro - cite-se, a título exemplificativo, a crise dos anos 70 e o surto neoliberal dos anos 80 - justificaram a inflexão do paradigma administrativo então vigente.
A matriz hodierna do Direito Administrativo - dito de prospecção ou de infra-estruturas - aproxima-se das emoções do "eu" poético, inclusive ultrapassando-as. No momento de crise do Estado-Providência," perene flui(a) a interminável hora" em que era manifesta a inércia do poder estadual e das estruturas tradicionais. A " nulidade" que surge espelhada no espírito do sujeito lírico  correspondia à passividade do Estado Social, petrificado em face dos novos ventos. Um sentimento crescente de insatisfação, insegurança e desassossego percorria o corpo social, sedento de uma alteração.
É mister proporcionar uma abertura ao influxo da sociedade civil. Daqui não decorre que se vá operar uma pulverização dos centros de decisão e um rompimento diametral com velhas concepções: importa sim promover uma valorização de mecanismos de justiça e solidariedade social, aperfeiçoando a herança deixada pelos antigos cultores da Teoria Geral do Estado e do Direito Administrativo.
No concernente às relações jurídicas administrativas, a tónica radica na sua multilateralidade: derrotados os cânones autoritários e unilaterais, o Direito Administrativo é o complexo normativo disciplinador da função administrativa, prosseguida por uma multiplicidade de sujeitos: os particulares, vendo as suas garantias efectivadas e protegidas em face da Administração, podem exigir contenciosamente a realização das suas vantagens. A sociedade " É quem somos, e é tudo". Estamos todos convocados para a promoção e realização da actividade administrativa, estreitando laços e assegurando uma coesão e compreensão alargada, através da harmonização de interesses públicos e privados. Porque " os mesmos olhos no futuro vêm, O QUE PODE VER-SE".