terça-feira, 15 de maio de 2012

Estado Social 2.0

Uma vez que o tema da contestação social se tem mostrado bastante popular no Blog, gostaria então de referir o outro lado da moeda: os comportamentos da Administração Pública que deram azo a todos os protestos, manifestações e greves gerais que se têm intensificado nos últimos tempos.

Se é verdade que o lobby dos sindicatos é a força motriz por trás da  greve, também é verdade que não o fazem de ânimo leve. Actuam motivados por agendas pessoais e políticas sim, mas reúnem o apoio popular. E porquê? Em menos de um ano aumentaram os impostos, diminuíram os benefícios fiscais, foram eliminados os subsídios de férias e natal para os funcionários públicos, entre outros. Todos concordamos com a inevitabilidade das medidas de austeridade mas também estas têm um limite. A qualidade de vida dos portugueses diminuiu consideravelmente num curto espaço de tempo, não permitindo a um adequado ajustamento por parte das famílias.

Para além disso, a amplitude destas medidas não assegura um adequado crescimento económico, muito pelo contrário; é o caminho certo para a recessão económica.
Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001, defende que a austeridade não é a solução. A obsessão com o rigor orçamental deveria ser substituída pelo desenvolvimento da educação e da saúde, bem como pela criação de infraestruturas. Só assim, defende Stiglitz, se diminuiria a desigualdade social e, consequentemente, se aumentaria o crescimento económico. Embora esta posição seja ferozmente debatida pela doutrina, os resultados práticos da austeridade são desanimadores.

(Sugiro a leitura deste excelente artigo do mesmo autor para a revista Vanity Fair: "Of the 1%, by the 1% for the 1%)

Queria então apresentar-vos uma última medida , no sentido de criar um "Sistema de Segurança Social misto". O sistema actual permite que todos os trabalhadores descontem para a Segurança Social, ou seja, todos os trabalhadores contribuem para este sistema e é o próprio Estado que assegura as pensões.

No sistema misto, quem tem rendimentos mais elevados poderá optar entre descontar um valor mínimo para a Segurança Social e outro montante para um sistema privado. À primeira vista tudo parece bem. O problema coloca-se a partir do momento em que a Segurança Social não beneficia do valor descontado para o sistema privado. Ora, na ânsia de poupar alguns milhões de euros, o Governo poderá perder muitos mais através desta "fuga". Este problema não se colocaria se a maioria dos trabalhadores em Portugal auferisse rendimentos que os isentasse de recorrer à Segurança Social, mas infelizmente não é esse o caso. O sistema misto poderá causar a falência da Segurança Social, já que os que mais contribuem deixarão de o fazer.

Este sistema foi posto em prática no Chile com consequências desastrosas, tendo aumentado exponencialmente as desigualdades sociais já anteriormente vincadas.

Em 1973, ano do golpe de Estado que pôs fim ao regime comunista de Salvador Allende, o sistema de Segurança Social encontrava-se à beira da falência: a Administração Pública controlava todos os aspectos da economia e a inflação atingira o máximo histórico de 900%.

Para controlar a situação, o novo Governo de Pinochet adoptou várias medidas de austeridade: diminuiu as despesas do Estado em 27% e revolucionou o sistema de Segurança Social, de forma a diminuir o défice do Estado (identificado pelo economista norte-americano Milton Friedman como a força motor do aumento da inflação). Para Friedman, a diminuição da inflação levaria a uma rápida expansão das trocas comerciais e facilitaria a privatização de numerosas empresas públicas.

A doutrina de Friedman foi levada ao extremo com José Piñeras, ao desenvolver um novo sistema de Segurança Social. Ao contrário do sistema praticado anteriormente, em que as contribuições dos particulares fundavam na sua totalidade a Segurança Social nacional, o novo mecanismo desenhado por Piñeras permitia que cada trabalhador pudesse descontar uma percentagem do seu salário para uma conta de reforma privada. Assim, cada trabalhador estaria a financiar a sua própria reforma e quando atingisse a idade da reforma poderia optar entre continuar a contribuir para este fundo ou utilizá-lo. Para além desta pensão, o fundo incluía um seguro de saúde e trabalho. O novo mecanismo servia como incentivo ao trabalho e à responsabilização individual: para Piñera, o antigo sistema favorecia a parasitismo social: muitos viviam à custa do trabalho de poucos.

A reforma foi introduzida numa altura de extra instabilidade social e em 2006 já 7,7 milhões de chilenos tinham optado pelo novo sistema, retirando-se do sistema nacional de saúde e escolhendo o seguro privado.

Para Piñera, as contribuições do sistema anterior apenas financiavam uma parte dos custos e não estabeleciam um fundo que pudesse ser utilizado futuramente. Não funcionava como um incentivo ao trabalho, já que o esforço não se encontrava necessariamente ligado aos benefícios atribuídos pelo Estado.

Piñera foi alvo de críticas devido ao tremendo risco moral que tomou: muitos afirmam que o aparente sucesso da reforma foi consequência da mão de ferro com que Pinochet governava o Chile.

Apesar do crescimento económico inicial, foram descobertas falhas graves no projecto: os custos fiscais e administrativos eram substanciais, e como muitos dos cidadãos chilenos não têm um emprego regular, grande parte da população não participava do sistema. Ora, uma vez que também os trabalhadores em part-time não necessitavam de contribuir para as Contas de Reforma Pessoal, muitos chilenos ficaram sem qualquer pensão. Por outro lado, para muitos dos trabalhadores que descontaram parte dos seus salários para uma Conta de Reforma Pessoal a quantia acumulada não era suficiente; uma percentagem significativa financia as entidades privadas que gerem os fundos e taxas administrativas.

Em 2009, cerca de metade da população não recebia qualquer forma de pensão estadual e quarenta por cento das reformas atribuídas não eram suficientes para satisfazer as necessidades dos particulares. A grande pergunta que se coloca é se o crescimento económico se deverá fazer à custa da qualidade de vida dos cidadãos e se não violará princípios constitucionalmente consagrados.

Actualmente, é necessário que a Administração Pública actue com cautela reforçada, tendo em conta a situação precária em que Portugal se encontra. Mais do que nunca, a actuação administrativa anda de mão dada com a Economia e as medidas tomadas irão definir o rumo de cada Estado: mais do que um milagre económico inicial, é necessário prever um crescimento estável a longo prazo, que leve em consideração as preocupações do Estado Social.


Beatriz Gil
Nº: 140110016

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