quinta-feira, 17 de maio de 2012


DOS VÍCIOS DO ACTO ADMINSITRATIVO


                Primeiramente, cumpre dizer que, se tem sido controvertida na doutrina e na jurisprudência aquilo que entre nós se tem designado por vícios do acto administrativo, não menos o tem sido o próprio conceito de invalidade, pelo que urge começar por aí a nossa exposição.

                Pugnando por uma noção ampla, no entendimento do Professor FREITAS DO AMARAL, a invalidade seria “o vício que afecta o acto administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos que devia produzir”, considerando-se nela incluída a ilegalidade, a ilicitude e os vícios da vontade. Em sentido contrário, pronunciava-se o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, aduzindo que não urge proceder à distinção entre ilegalidade e invalidade. É essa a posição que adoptaremos.

                A ilegalidade traduz a falta de conformidade do acto administrativo com a lei em sentido material, e que recai sobre qualquer um dos elementos do acto: a competência, a forma, o objecto ou a causa. Mormente essa desconformidade, a Teoria dos Vícios, oriunda de França, apresentava as formas específicas que a ilegalidade do acto podia revestir. De acordo com o, então em vigor, art 15/1 da LOSTA  - Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo -  seriam elas:

·         Incompetência

·         Usurpação de poderes

·         Desvio de poder

·         Vício de forma

·         Violação da lei

       A enumeração era, no entanto, um tanto o quanto infeliz. Ora atente-se: a autonomização da usurpação de poderes enquanto figura distinta da incompetência não se justificava, atendendo a que a primeira consubstancia uma modalidade mais grave da última. “A sua menção ao lado da incompetência revela um erro de lógica formal, já que parece designar realidades que se excluem” com bem aduz GONÇALVES PEREIRA. Ora a incompetência, que afecta o acto de cujo autor não tinha poder legal para o praticar, abrange três subcategorias: a incompetência relativa (prática de acto pertencente a outro órgão da mesma pessoa colectiva), a incompetência absoluta (ingerência no âmbito competencial de outra pessoa colectiva) e a usurpação de poderes (intrusão por um acto administrativo noutra função estadual, seja ela o poder legislativo, moderador ou judicial). A sua autonomia tinha mero carácter histórico, prendendo-se com razões atinentes ao Princípio da Separação de Poderes.

O desvio de poder traduzia o vício que inquinava o acto administrativo em que existia uma parcela de discricionariedade, na medida em que se dava da promoção de um fim distinto daquele para a qual a lei atribui determinado poder, quer por motivo de interesse público (o caso da Maria da Conceição), quer por motivo de interesse privado.

Por sua vez, o vício de forma verificava-se, nestes termos, com a preterição de formalidades essenciais ou na carência de formal legal. Mas forma e formalidades constituem conceitos distintos, pelo que, sob pena de deixar de forma as violações do procedimento, o intérprete e aplicador do direito via-se obrigado a proceder ao alargamento (forçado) da noção de forma, para que pudesse alegar a falta de formalidade. (VASCO PEREIRA DA SILVA).

Por último, surgia o vício da violação de lei, que nas palavras de FREITAS DO AMARAL, consistia “nas discrepâncias entre o objecto e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis.” Ora, a expressão era  tão ampla que, das duas uma: ou se procedia a uma interpretação restritiva do preceito, fazendo dela a válvula de escape dos vícios (“a vala comum”, na expressão auto-explicativa de FREITAS DO AMARAL), onde caberiam todas as ilegalidades insusceptíveis de recondução a qualquer um dos outros vícios, ou, enquanto vício autónomo e distinto dos outros, a violação de lei exprimiria a desconformidade do objecto/conteúdo com o modelo legal.

Não obstante a amplitude da classificação, a verdade é que havia vícios que inquinavam o acto que dificilmente se reconduziam a qualquer um dos tipos referidos. Donde, a falta de causa1 e os vícios da vontade não poderiam ser arguidos, salvo se se adoptasse a concepção ampla de invalidade do Professor FREITAS DO AMARAL.

                A questão ganhava especial acuidade mormente a causa de pedir do Contencioso Administrativo, havendo quem defendesse que os particulares, no âmbito do recurso de um acto administrativo, teriam de alegar quais os tipos de invalidade que enfermavam o acto, discriminando a fonte dessa invalidade (vício) (FREITAS DO AMARAL), e nesse sentido, o objecto do processo era “espartilhado” pelos vícios arguidos pelos particulares. Em sentido contrário, pugnava VASCO PEREIRA DA SILVA, afirmando que “a causa de pedir deveria ser, sem mais, a apreciação integral da actuação administrativa trazida a juízo, de modo a permitir uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade do acto em face de todas as possíveis normas aplicáveis e no que respeita a todas as fontes de invalidade”. Depois da reforma, o legislador decidiu tomar parte na querela, transpondo para a lei a segunda orientação, nos termos do art  CPTA, e “em boa hora, afastou expressamente (…) qualquer referência à obsoleta figura dos vícios do acto administrativo (…)” (VASCO PEREIRA DA SILVA). Não obstante a pronúncia do legislador, há ainda quem considere que a teoria dos vícios continua a ter “valor científico e potencialidades explicativas” (JOÃO CAUPERS e FREITAS DO AMARAL).

Atendendo ao plano de Direito constituído e mormente o fim de vigência dos preceitos que faziam referência ao expediente dos vícios, a classificação parece-nos obsoleta e contrária à lógica de maior garantia dos direitos dos particulares que a evolução do Direito Administrativo substantivo e adjectivo tem vindo a firmar, mostrando-se, por conseguinte, mais conforme com o espírito do sistema, uma verificação cumulativa dos seguintes requisitos de validade: competência, procedimento, forma e material.



1.        Atente-se que o conceito de causa no Direito Administro é distinto do da Lei Civil. “O acto administrativo tem de toma por base qualquer situação de facto ou de direito do mundo sensível, (…) e que será o seu pressuposto. Ora é da apreciação desse pressuposto que surge o objecto do acto. A causa consiste na relação de adequação entre os pressupostos do acto e o seu objecto. E então, determinados os pressupostos, de duas uma – ou eles existem na realidade, e o acto tem causa; ou não existem porque o agente se enganou ou intencionalmente afirmou a realidade de pressupostos inexistentes para justificar a sua acção - e o acto está desprovido de causa, faltando-lhe um elemento essencial.” (GONÇALVES PEREIRA)


Caso de 17/05

1) 
As questões juridico-administrativas que nos competem analisar nesta hipótese são, o possível vinculo da empresa X ao CPA e o pedido de licença de construção e a notificação emitida. 
Analisemos em primeiro lugar a questão apontada pela empresa X relativamente ao vinculo da mesma com o CPA. Parece que a empresa X está vinculada ao CPA. Jusifica-se: a empresa X é uma empresa cujos capitais são integralmente públicos, o que, nos termos do artigo 3º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 558/99 de 07/12, faz dela uma empresa mista, constituída sob forma privada, embora seja de facto uma empresa pública. Assim sendo, está a empresa X, para o efeito, vinculada ao CPA, nos termos do artigo 2º, n.º 4 do mesmo diploma.

Compete-nos agora analisar o pedido de licença e respectiva notificação, condição de eficácia do primeiro acto.
As exigências legais para a notificação estão contidas no artigo 68º do CPA. A resposta ao pedido não está assinada, não sendo identificado o órgão que pratica o acto.
Numa entidade privada, quem toma as decisões como estas é o conselho de administração, não nos sendo dito nada, há o problema de saber se terá ou não sido praticada por órgão competente. Facilmente concluímos que a notificação não apresenta condições legalmente exigidas, sendo que o particular poderá reagir contra a referida notificação por omissão de requisitos. Apesar da notificação ser um acto secundário, é condicionante de eficácia do primário, podendo neste caso a invalidade formal da mesma pôr em causa a eficácia do acto primário. Falta, portanto, a exigência do artigo 123º, n.º 1, alínea g), do CPA, que é requisito de validade formal. Notificação é nula por virtude de omissão de exigência formal. 

Quanto a questões procedimentais, houve preterição de audiência de intressados consagrada no artigo 100º do CPA, que é requisito de validade procedimental do acto.
No que toca à fundamentação do acto, esta decisão é tomada com base em critérios de conveniência, o que não parece levantar, quanto a isto, quaisquer problemas. Contudo, não há qualquer tipo de densificação das razões de facto ou de direito exigidas pelo artigo 125º do CPA, o que gera uma invalidade procedimental. Justifica-se que seria necessária a referida fundamentação pois esta nega a atribuição de um direito. Ademais, acrescento ainda que o supramencionado artigo exige que esta fundamentação seja expressa, sucinta, clara e não pode ser nem insuficiente nem incoerente. Estes três últimos requisitos de fundamentação não parecem estar presentes, o que gera uma invalidade procedimental.


Questões materiais: não se identificam questões que comportem a invalidade material dos actos referidos.

2) 
Neste caso parece que a única actuação jurídico-administrativa relevante é o acto de revogação praticado pela CML.
Analisemos então, se o referido órgão é, ou não, competente para revogar. O artigo 142º do CPA atribui a competência revogatória ao 'autor do acto'. Problema mais complexo é interpretar o sentido da expressão utilizada pelo legislador.  A doutrina que pretendemos seguir faz um entendimento amplo da expressão em causa. A interpretação aplicável é aquela que assegure uma maior tutela da legalidade, assim sendo, tanto o autor efectivo como o titular da competência têm competência revogatória para que seja reposta assim que possível a legalidade, seja por um ou por outro. 

3)
Quanto ao deferimento, parece haver um venire contra factum próprio em violação do art 6º, n.º1, do CPA, por ser a revogação de um acto constitutivo de direitos. A mudanças no PDN só serão aplicadas para casos futuros, e não a casos passados, o que comprometeria gravemente a confiança legítima dos destinatários de decisões passadas.
Por fim, a CML alega ainda um erro material, reconhecendo uma ilegalidade. É uma errada alegação de erro, tratando-se de uma ilegalidade material por ser violação dos limites materiais do artigo 142º do CPA.


Duarte Martins
140110105

Do Princípio da Boa Fé no Direito Administrativo Português


1. Introdução:

Pela revisão do Código de Procedimento Administrativo ocorrida em 1996 (introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro) o legislador consagrou, de forma expressa, no seu art. 6.º-A, a vigência do princípio da boa fé no âmbito da actividade administrativa.
Só posteriormente foi o princípio da boa fé incluído no art. 266.º, número 2 da Constituição, pela revisão constitucional operada em 1997, enquanto princípio fundamental ao qual estão subordinados os órgãos e agentes administrativos no exercício das suas funções. A sua positivação constitucional mais não foi do que a concretização da tutela da confiança, em si decorrente do princípio do Estado de Direito, por sua vez consagrado no art. 2.º da CRP: o princípio do Estado de Direito postula a ideia de protecção da confiança dos cidadãos face às actuações do Estado, implicando um mínimo de certeza e de segurança na vida jurídica do Estado[1].
Embora encontre acolhimento no Direito Público, foi no Direito Privado que a dogmática da boa fé mais se desenvolveu, dando origem a institutos como o abuso do direito. A sua configuração privatista foi acolhida, cum granu salis, para o âmbito do Direito Administrativo. Neste curto ensaio propomo-nos reflectir em que medida a boa fé, em especial a sua concretização no subprincípio da primazia da materialidade subjacente, foi recebida no seio do Direito Administrativo Português.

2. Pistas para a sua concretização

2.1. Considerações gerais e âmbito de aplicação:

O princípio da boa fé impõe que a conduta administrativa se funde em valores básicos do ordenamento jurídico, implicando que a Administração adopte condutas consequentes e não contraditórias em função dos fins que se propõe alcançar. Não só determina que a Administração Pública aja de boa fé com os particulares, como significa que a Administração deve dar exemplo aos particulares da observância da bona fides. Sem a boa fé nunca se poderia afirmar, diz FREITAS DO AMARAL, que o Estado é “pessoa de bem[2].
São conhecidos os subprincípios que acompanham a boa fé no Direito, a saber: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente. É curioso notar que a doutrina que desenvolve a boa fé no campo do Direito Administrativo faz frequentemente apelo à tutela da confiança, com base no pensamento de que a protecção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico fortemente radicado na ideia de Direito, encontrando apoio normativo no art. 6.º-A, n.º 2, alínea a) do CPA, descurando, pelo contrário, a materialidade subjacente.
A aplicação do subprincípio da tutela da confiança estará sujeita, no Direito Administrativo, aos mesmos pressupostos utilizados no Direito Civil: existência de uma situação de confiança, ou seja, um comportamento gerador de confiança; existência de uma justificação para a confiança; frustração da confiança por parte de quem a gerou; e existência de um investimento de confiança. Estes pressupostos constituem um sistema móvel, podendo a falta de um deles ser suprida pela intensidade especial com que um outro se verifique, como bem defende MENEZES CORDEIRO.
O princípio da tutela da confiança encontra variadas concretizações jusadministrativistas, mas é em sede de formação dos contratos administrativos que vale com especial força, determinando que a Administração não altere injustificadamente o seu critério, não negue o prometido, não formule novas exigências, etc. Mutatis mutandis, poder-se-ão chamar à colação os deveres laterais e acessórios que decorrem do art. 227 do Código Civil.
A jurisprudência tem entendido que o princípio da boa fé só opera no âmbito da actividade discricionária da Administração, não cabendo no plano da actividade legalmente vinculada. MARIA DA GLÓRIA GARCIA, na anotação que faz ao art. 266 da CRP, defende posição contrária, sem apresentar, contudo, qualquer argumento. Ainda assim, deixa-se adivinhar o que possa fundamentar a aplicação do princípio da boa fé no âmbito da actividade legalmente vinculada: por um lado, no processo hermenêutico que compete à Administração (lembremo-nos que não vinga, no Direito, um princípio de in claris non fit interpretatio, e por isso há também interpretação quanto a normas de poder vinculado), parece ser imperativo constitucional e procedimental que esta proceda à actividade interpretativa de boa fé, não podendo violar a confiança que se tenha suscitado (veja-se, por exemplo, a possibilidade de um agente administrativo interpretar um poder vinculado num sentido, e de um outro agente realizar interpretação dissonante); por outro lado, a boa fé introduz uma série de deveres, tais como deveres de actuação consequente, de informação criteriosa, inter alia, que também existem no plano dos poderes vinculados.
Ainda assim, o instituto da boa fé tem de ser aplicado cum grano salis, isto é, como último recurso. A boa fé apresenta-se sempre como a “válvula de escape” do sistema, apta à correcção de injustiças, que, pela violência que apresentam face à ordem jurídica, devem ser repudias, em especial pela mão do juiz.

2.2. O princípio da boa fé e o acto administrativo:

Um primeiro aspecto em que a boa fé encontra clara aplicação é na interpretação do acto administrativo. A interpretação do acto administrativo não se esgota nos elementos literais, sendo igualmente relevante para a fixação do seu sentido e alcance, entre outros elementos, o sentido que a Administração atribuir ao acto, na medida em que se presume que esta agiu de boa fé e, por isso, de forma coerente e não contraditória. Encontramos assim a boa fé a dar um influxo interpretativo valioso para aquela que é uma das formas por excelência da actuação administrativa. A tutela da confiança (contida no art. 6.º-A, n.º 2, alínea a) ) impõe que se proteja a posição do particular que, face a um acto administrativo e a uma actuação da Administração, assume que o sentido apropriado a dar ao acto administrativo é aquele que a Administração dá. Se assim não fosse, estar-se-ia perante um verdadeiro venire contra factum proprio, visto que a Administração viria a materialmente adoptar um dos sentidos possíveis do acto, não podendo depois invocar erros interpretativos contra o particular.
Um outro campo em que a boa fé interfere na vida e na morte do acto administrativo prende-se com a produção de efeitos jurídicos do acto nulo. Resulta do art. 134.º, n.º 1 do CPA que «o acto nulo não produz qualquer efeito». Todavia, no plano das invalidades interfere um elemento quase-naturalístico, que se prende com o facto de os actos nulos serem admitidos a produzir efeitos com base em «situações de facto (…) por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito» (veja-se o n.º 3 do artigo referido). Ora, daqui decorre que os actos nulos vêem alguns dos seus efeitos de facto consolidados em efeitos jurídicos pelo decurso do tempo. Não basta, ainda assim, o mero facto natural que constitui o decurso do tempo, mas a sua conciliação com os princípios gerais de direito, o que faz operar-se uma recepção da boa fé neste caso; estará em causa, particularmente, a tutela da confiança do particular que, com base numa situação de facto, acredita, justificadamente, que o acto é válido e estará apto à produção de efeitos.
No entanto, pode questionar-se com propriedade qual o sentido da restrição incluída no art. 134.º, n.º 3, de o único facto admitido como justificação para a produção de efeitos do acto nulo ser o decurso do tempo. Entende-se, claro, a sua preponderância: o decurso do tempo cria uma situação de facto muito concretizada e objectiva, de fácil avaliação. Mas perguntar-se-á, face a uma outra qualquer situação de facto, ainda que não cristalizada pelo decurso de um lapso relevante de tempo, se não será justo admitir alguns efeitos aos actos nulos. A resposta parece-nos dever ser positiva: em situações de facto tais, que suscitem no destinatário do acto a confiança, quer na sua validade pura e simples, quer até na sua aptidão à produção de efeitos determinados, poderá a boa fé exigir a produção dessas efeitos, nos quais o destinatário do acto confia. Desta forma, situações de facto em que a Administração executa o acto e em que o particular se conforma com essa execução, investindo na confiança que depositou na validade do acto, ainda que decorrentes de um acto nulo, poderão sedimentar-se. Não se afigura correcto, todavia, procurar na boa fé a convalidação de um acto nulo; propendemos a aceitar a tese, de resto decalcada do tratamento dado ao instituto no Direito Civil, de que a boa fé se torna de per si um novo título jurídico, uma realidade ficta que manda, por imperativos de vária ordem, acatar os efeitos de um acto nulo.

3. o art. 6.º-A, n.º 2, alínea b) do CPA enquanto moderador: “os fins justificam os meios?”

Em toda a dogmática nos deparamos com uma dificuldade acrescida na definição do que seja a materialidade subjacente e, mais ainda, qual seja o sentido do art. 6.º-A, n.º 2, alínea b) do CPA.
O subprincípio da materialidade subjacente costuma repristinar a ideia de que o Direito não se basta com meras actuações formais, desprovidas de conteúdo, e exige que aos comportamentos corresponda uma verdade material que traduza uma ponderação finalística de cada conduta. Não obstante a sua complexidade, o subprincípio da materialidade subjacente não é de somenos importância, pois é através dele que se proíbe o exercício inadmissível das posições jurídicas.
Muitas vezes, o subprincípio da materialidade subjacente é descurado por ser considerado incompatível com o princípio da legalidade, que alegadamente introduziria um formalismo tal a que não era possível subsumir-se. E ainda, por se dizer que o seu conteúdo é pouco útil, pois se encontra absorvido pelo princípio da proporcionalidade[3]. Esta mesma doutrina vem dizer que o princípio da materialidade subjacente já adquire relevância enquanto parâmetro das condutas dos particulares.
Tal posição, com a devida vénia, não é de acolher, pois traduz uma mentalidade autoritária da Administração e perpassa uma ideia de que os particulares são desconfiáveis, ao passo que a Administração é de plena confiança. A materialidade subjacente encontra, como curiosamente vem a afirmar, num verdadeiro venire, MARCELO REBELO DE SOUSA, consagração legal explícita na alínea b) do artigo dedicado à boa fé, pelo que seria antijurídica qualquer tentativa de afastar a vinculação da Administração por via da materialidade subjacente.
De facto, ao apelar ao «objectivo a alcançar com a actuação empreendida», o CPA introduz como vector de aferição da actuação, tanto dos particulares como da Administração, a ideia de que os comportamentos correspondam à verdade material, e não à mera verdade formal, vector que não se encontra, de forma alguma, no princípio da proporcionalidade, que mais opera uma ponderação da medida, necessidade e adequação do comportamento, em função do fim, do que se preocupa com a verdade material, que é uma exigência de Justiça.
Embora afastando a ideia de que “os fins justificam os meios”, cremos que o subprincípio da materialidade subjacente poderá trazer para a administração pública figuras como as inalegabilidades formais (será inadmissível que a Administração ou o particular, provocando o vício de forma de má fé, se possa prevalecer desse vício para inquinar qualquer actuação administrativa) ou o desequilíbrio no exercício do direito (quando a proporcionalidade, por qualquer razão, não permita trazer equilíbrio à relação jurídica administrativa).

4. Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, et al., Código do Procedimento Administrativo Anotado, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007.
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2011.
BOTELHO, José Manuel Santos, et al., Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2002.
CORDEIRO, António Menezes, Da Boa Fé no Direito Civil, Volume I, 1ª edição, Coimbra, Almedina, 1983.
CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito Civil Português, Tomo V, 1ª edição, reimpressão, Coimbra, Almedina, 2011.
MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, reimpressão, Publicações Dom Quixote, 2010.


[1] Neste sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 556/03, citado em MIRANDA, Jorge, e MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 574.
[2] Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Volume II, pág. 148.
[3] Veja-se, neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa, in Direito Administrativo Geral, Tomo I, pág. 221.

Caso Prático 17-05


a)      Primeiro problema a resolver é saber se o Parque Expo 98 SA é competente para emitir a licença de construção do prédio de 40 andares naquela área. Sem conhecimento da lei habilitante do parque expo 98, admite-se que seja efectivamente competente.

Relativamente a questão suscitada na aliena a), cabe apontar o artigo 2.º do CPA, nomeadamente o nº1 e o nº4 do mesmo. Pois a actividade em questão é uma actividade administrativa, a empresa em questão tem capitais públicos e desempenha funções e actividades com interesse público.

Antes de entrarmos no problema do deferimento, não deixa de ser importante falarmos acerca da notificação e da não existência do cumprimento do dever de audiência, previsto nos artigos 55.º e 59.º do CPA, sendo que a empresa x enquanto interessada deveria ter sido ouvida. Este acto, por violar um direito fundamental, o direito de audiência, é considerado nulo segundo o artigo 133.º. nº2 aliena d) e 266º da CRP. Podemos ainda apontar o artigo 26.º. da própria constituição, de onde podemos extrair este mesmo direito. Olhando ao artigo 68.º. nº1 alínea b) era ainda exigido a identificação do autor do acto o que não se verifica na hipótese prática.

Ainda assim, existe um problema procedimental e também material, pois há um incumprimento de mais um dever da administração – o dever de fundamentação. Apenas é estipulado que o pedido foi indeferido por “inconveniente”, o que não parece uma justificação e fundamentação correcta para o indeferimento do pedido. É importante olhar ao artigo 124.º do CPA.

b)      Partindo do pressuposto que o parque expo não tinha competência por já estar fora do seu âmbito de jurisdição, apontamos o artigo 141.º que determina a revogabilidade dos actos. No entanto independentemente do prazo do recurso do contencioso o tempo não saneia irregularidades. Sabemos que a camara tem competência para tal segundo o artigo 142.º do CPA e o artigo 64.º nº5 alínea a) da lei das autarquias locais.

c)      A camara municipal, segundo o artigo 148.º do CPA pode rectificar actos administrativos, e pode rectificar este acto pois o erro em causa é um erro manifesto. O acto de deferimento de licenciamento do prédio é eficaz e produz efeitos. Cabe ainda afirmar que a camara pode faze-lo a todo o tempo e pode ser uma rectificação oficiosa a pedido dos interessados. Mais ainda a acrescentar seria que o acto de rectificação deve revestir a forma e a publicidade exigidas para o acto rectificado.

                              Joana Anjos 140110134
                              António Oliveira 140110119
                              Miguel Dinis 140110051
                              Diogo Câmara 140110510

 17/05/2012  Caso Prático



A)

A empresa X interroga-se quanto ao vínculo da mesma ao CPA e ainda quanto à legalidade do indeferimento.
                A primeira dúvida é bastante simples, extraindo-se a sua resposta do artigo 2º nº1 do CPA. Este artigo refere-se ao âmbito de aplicação do Código, onde se incluem os “órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvem funções materialmente administrativas”. Visto que a hipótese refere que os capitais são integralmente públicos, concluímos que a” Parque Expo 98, SA” está sujeito ao CPA.
                Quanto à legalidade do acto, teremos de ir para o Capítulo segundo (do acto administrativo) do CPA. No artigo 123 nº1 alínea g) extrai-se que a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que o mesmo emane é sempre obrigatória. Sendo assim, a falta da assinatura do acto de indeferimento acarreta invalidade. Como já tivemos oportunidade de ver em aula a nulidade ou anulabilidade não é imposta por regra geral, tendo que ter em conta o acto concreto para escolher o regime concreto. Este caso porém  está abrangido por um dos exemplos dado no artigo 133º, nomeadamente na alínea f) do nº 2. Daí que este acto de indeferimento é nulo.
                Acresce ainda a invalidade procedimental, visto não ter havido audiência prévia dos interessados (100º) e este caso não estar abrangido por nenhuma causa de exclusão desse dever obrigatório enunciado no artigo 103º do CPA.


B)

Se admitirmos que o terreno se encontra fora do perímetro da Parque Expo 98, SA então o órgão responsável (do Estado) será já  a CML. De acordo com o artigo 64/5 alínea a) da LAL 169/99, esta competência é da CML.Estamos então perante uma invalidade orgânica. A CML quer revogar o acto. O artigo 142º diz que em regra somente o autor do acto pode revogar o mesmo e os seus respectivos superiores hierárquicos desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno. O conceito “autor do acto” pode ser interpretado de duas maneiras. O prof. Freitas do Amaral entende que se trate do autor efetivo, mesmo que incompetente. Já o professor Andrade e o professor Vasco Pereira da Silva entendem que neste conceito se abrangem tanto o autor efectivo do acto como o órgão competente. Sendo assim, aderindo à ultima tese, a CML pode revogar o acto nos termos do artigo 142º.
                Na revogação há dois princípios conflituantes. Nomeadamente o Princípio da Tutela da Confiança versus o Princípio do Interesse Público. O nosso código (CPA) limita a revogaçãp pela tutela dos particulares. Diz-se no artigo 140/1 b), que o acto não é revogável quando for constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos. Põe-se logo a questão de saber o que isto significa. Como já vimos em aula, aqui as doutrinas divergem. Há quem entenda (Vieira de Andrade) que este conceito é para ser interpretado restritivamente, somente abrangendo os actos que criem direito novo e directamente criado pela Adminstração. Depois há quem entenda (Professor Vasco Pereira da Silva e Professor Marcelo Caetano), de que este conceito se destina a proteger qualquer situação de vantagem conferida a um particular; tese com a qual tenderemos a concluir visto ser mais vantajoso dar maior protecção ao particular, que é a parte mais fraca nesta relação e que no limite sairia sempre prejudicado.
                A revogação pode ter como fundamento a ilegalidade ou a inconveniência. Neste caso quanto à ilegalidade nada mais há a dizer, visto já ter sido dito tudo na questão supra. 
                Quanto à inconveniência (mérito), a questão é mais complicada. Se entendermos que a mudança de actuação for mais favorável para a colectividade, então admite-se a revogação com base neste princípio. No caso concreto, se houver necessidade de construção de um tal prédio e ele ficar bem enquadrado na zona e arquitectonicamente, parece-me que este princípio estará também preenchido.
                Um último requisito é a fundamentação obrigatória (124/1). Este está preenchido e através dele é que conseguimos também ver o Princípio de mérito aqui abrangido.



C)

O plano director municipal (PDM) é elaborado pela própria Câmara Municipal do respectivo município. Se meses antes revogou um acto com base no Princípio de Mérito, alterar agora a mesma decisão é a meu ver um claro venire contra factum proprium. Além do mais viola o Princípio da Tutela da Confiança do particular. O cerne da questão reside no facto de a Adminstração invocar um erro material, somente após ter alterado o PDM. Ou seja, abusou de uma faculdade que lhe foi conferida pelo CPA. A meu ver isto é inváido.
                Se porém admitirmos que a CML se enganou, não querendo deferir 40 andares mas sim 4, então trata-se de um erro material e caímos no âmbito do artigo 148º CPA. Diz-se aí que a rectificação nestes casos é possível a todo o tempo, desde que o erro seja manifesto.
                Não há aqui qualquer obrigatoriedade de audiência, visto a CML agir no interesse da empresa X. Como decorre da evolução histórica da Administração, não há poderes coercivos nem dever de audiência prévia quando o acto em causa confere direitos a um particular (103º).

Resolução de Hipóteses Práticas

a) Primeiro, teremos que identificar as actuações juridicamente relevantes: o indeferimento do pedido da empresa X para uma licença de construção de 40 andares, pela Parque Expo, S.A. e, embora não produzindo efeitos jurídicos, se a empresa X poderia requerer à Parque Expo, S.A. a licença referida.

Nos termos do art. 2º do Decreto-lei nº88/93 de 23 de Março, a Parque Expo, S.A. é uma sociedade anónomia de capitais exclusivamente públicos cujo objectivo é a concepção, execução, construção, exploração e desmantelamento da EXPO 98. Assim, (e não levando em conta o seu recente processo de extinção, levado a cabo pelo Governo) a Parque Expo teria competência para atribuir a licença de construção de um prédio de 40 andares.

Tendo a Parque Expo indeferido o pedido, temos de verificar se o fez nos termos da lei ou não. Em primeiro lugar, a empresa X deveria ter sido ouvida em fase de audiência aos interessados. Esta fase espelha dois princípios fundamentais da actuação administrativa: o princípio da colaboração da Administração com os particulares (al. b), nº 1 do artº 7 CPA) e o princípio da participação (art. 8º do CPA).

Deveria ter sido assegurada à empresa X a possibilidade de se pronunciarem durante o procedimento da atribuição da licença. Para além do mais, se for prevista a resposta desfavorável aos particulares, deverá ser aplicado a al. b) do nº 2 do art. 103º do CPA, tendo o órgão decisório o dever de ouvir a empresa X antes de tomar a sua decisão definitiva. A falta de audiência dos interessados constitui uma ilegalidade, gerando a nulidade do acto (é um direito incluído no sistema de protecção dos particulares face à Administração Pública).

Para além disso, o indeferimento não foi acompanhado de qualquer fundamentação. A Parque Expo, S.A. deveria ter explicitado todas as razões que a levaram a não deferir o pedido, de acordo com o disposto na al. c) do nº 1 do art. 124º CPA. Estas exigências prendem-se com a necessidade de proteger o particular de uma actuação abusiva por parte da Administração e a necessidade de controlar o seu comportamento. Por outro lado, se faltar a fundamentação o acto administrativo será anulável nos termos do art. 135º CPA, mas uma vez que a falta de audiência comina a nulidade do acto, esta absorverá a anulabilidade da falta de fundamentação.

Por outro lado, também deverá ser cominada uma sanção de invalidade para a falta de assinatura do documento. Neste caso, a empresa X não saberá a quem se deverá dirigir para reclamar ou recorrer da decisão, nos termos da al. b) do nº1 do art. 123ºCPA.  

Embora pertencendo à Administração Indirecta, a Parque Expo encontra-se vinculada ao CPA, uma vez que nos termos do art. 2º do mesmo diploma as normas do CPA se aplicarão a todos os "órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulare (...)". Para além disso, a al. b) nº 2 do mesmo artigo admite que são órgãos da Administração Pública os órgãos dos institutos públicos e das associações públicas (fazendo parte deste elenco os órgãos da Parque Expo, S.A.).

b) Se o terreno se encontrava fora da circunscrição da Parque Expo, a empresa X não deveria ter pedido a licença a esta sociedade anónima, uma vez que não tem atribuições ou competências para o fazer. Assim, este pedido seria nulo nos termos da al. b) do nº2 do art. 133º CPA. Assim, também a CML não poderia ter revogado um acto para o qual também não possuia quaisquer competências (de acordo com doutrina perfilhada pelo Professor Freitas do Amaral: Para Robin de Andrade, quem poderá revogar o acto é o titular efectivo do mesmo. De acordo com esta doutrina, para que o pedido fosse válido, a empresa X teria de o requerer à CML, nos termos da al. a), do nº5 do art. 64º da Lei das autarquias locais. Por muito que a CML considerasse o projecto de construção aliciante em termos de uma revitalização arquitectónica da cidade, nunca poderia sanar a invalidade de um acto nulo.

Mas, para quem admite a revogação do acto tanto pelo órgão efectivo como pelo órgão titular (como o Professor Vasco Pereira da Silva) esta revogação é válida. Poderia ainda colocar-se o problema de a revogação não ser possível, se considerássemos o acto nulo por invalidade procedimental.

c) A CML nunca poderia ter alegado erro, uma vez que violou um limite material do art. 142º CPA: ao autorizar a licença de construção de um prédio de 40 andares, a CML terá atribuído à empresa X um direito (é um acto constitutivo de direito) e não poderá frustrar as suas expectativas.

Beatriz Gil
Nº: 140110016

Resolução do caso (dia 15 de Maio)

Hipótese a)
Em primeiro lugar, o Parque Expo é uma sociedade de capitais integralmente públicos, de acordo com o DL n.º 558/99-artigo nº25, as entidades públicas empresariais têm a autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Na regra geral, são sujeitos ao regime do direito privado (artigo nº7-nº1- DL n.º558/99). Agora, a empresa X pede uma licença de construção de um prédio num terreno sito no parque Expo, estamos perante um regime especial das entidades públicas empresariais que têm direito de exercer poderes e privilégios que o Estado goza (no caso é aplicar o artigo 14º-nº1-alínea c) do DL referido), não estamos na questão da incompetência orgânica. Por isso, a Parque Expo está vinculada ao CPA. Em segundo lugar, o pedido acabou com a decisão de indeferimento, mas nunca foi ouvida. Aqui, no procedimento administrativo, é garantida a comunicação aos interessados (artigo 55º de CPA) e o direito da audiência dos interessados (artigo 59º de CPA), por tanto, está perante a incompetência formal que o indeferimento é ilegal.
Hipótese b)
O terreno está fora do perímetro do parque Expo e dentro da circunscrição do município de Lisboa. De acordo com o artigo 64º-nº5-alínea a) da Lei das Autarquias Locais, a Câmara Municipal de Lisboa é o órgão considerado competente no assunto relevante. Agora, a questão nem é precisar a revogação do ato de indeferimento porque o ato é nulo com o fundamento da incompetência orgânica (artigo 133º-nº2-alínea a) de CPA).
Hipótese c)
Chega ao ponto que a Câmara Municipal é o órgão competente relativamente ao assunto, depois de deferir o pedido de licenciamento da construção do prédio de 40 pisos da empresa X, o prédio é qualificado como comporta apenas prédios com o máximo de 4 pisos. Agora, a Câmara Municipal pretende deliberar no sentido de retificar os 40 andares por 4 andares. De acordo com o artigo 148º-nº1 de CPA, se os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo são manifestos, dá lugar à retificação, no caso, deve ser um erro manifesto que o limite é 4 pisos mas foi aprovada a construção de 40 pisos que pode causar um perigo da segurança pública ou com outras razões relativas ao interesse público. Por isso, o órgão competente pode retificar o ato a todo o tempo, sob a forma do ato retificado e tem efeitos retroativos (artigo 148º-nº2 de CPA).


Mei Chan (140110015)                                                         2012.05.17