sexta-feira, 23 de março de 2012

Greve Geral, a melhor solução?


Não nos pode ser indiferente a Greve Geral realizada ontem, dia 22-03-2012, que ficou marcada por intervenções policiais em diversas ocasiões. Como todos sabemos o Direito à Greve é um dos muitos (talvez excessivos) direitos consagrados na nossa Constituição, nomeadamente no  seu artigo 57º. As associações sindicais, representadas pela CGTP, organizaram, uma vez mais, uma Greve Geral como forma de mostrarem a sua insatisfação contra aquilo que são, nos nossos dias, as condições laborais, contra os cortes nos subsídios da Função Pública, entre muitas outras medidas que estão a ser tomadas no âmbito deste regime de austeridade que afecta o nosso país.
Em tom de debate pergunto-vos, caros colegas, qual a vossa opinião sobre esta forma de demonstração de insatisfação por parte da classe trabalhadora. Será a "greve" uma boa maneira de passar a mensagem, ou haverão, no vosso entender, melhores soluções!?
(Deixo aqui uma notícia de um site "independente" que vale o que vale e, em baixo, o link de um dos muitos episódios que marcaram a Greve Geral, os confrontos entre manifestantes e a PSP)

"A polícia e elementos da manifestação promovida pela plataforma 15 de Outubro envolveram-se esta tarde em confrontos junto ao Largo do Chiado, tendo provocado feridos ligeiros.
Segundo testemunhas no local, os confrontos começaram quando manifestantes arremessaram objectos contra elementos da PSP junto à esplanada do café Brasileira, no Chiado.
Na esplanada, foram derrubadas cadeiras, mesas, chapéus-de-sol, e os clientes que se ali se encontravam tiveram que fugir rapidamente para não serem atingidos por objetos e pedras da calçada.
A PSP reforçou a sua presença na manifestação com elementos das Equipas de Intervenção Rápida (EIR), e do Corpo de Intervenção que estão a ser apoiados por 10 carros que acompanham o desfile.
Durante os confrontos entre manifestantes e polícias, o fotojornalista da agência Lusa, que se encontrava no local a fazer a cobertura do acontecimento, foi agredido.
Já no chão, o repórter fotográfico identificou-se como jornalista e continuou a ser agredido, necessitando de assistência hospitalar.
Cerca de 150 manifestantes, entre os quais elementos da plataforma 15 outubro, começaram a desfilar pela Av. Almirante Reis até ao Rossio, em Lisboa, atirando ovos às instalações das instituições bancárias por onde passavam.
Os ânimos exaltaram-se junto à sede do Banco de Portugal na Almirante Reis, onde a polícia foi obrigada a intervir para acalmar os manifestantes.
Alguns ovos foram atirados de propósito para pessoas que estavam a levantar dinheiro nas caixas de multibanco das instituições bancárias.
O percurso dos manifestantes começou por ser acompanhado por batedores da polícia e no final, junto do Rossio, passaram a ser três carros do Corpo de Intervenção.
Os manifestantes seguiram para a Assembleia da República para se juntarem a manifestação promovida pela CGTP.
Já no Parlamento, pelo menos uma pessoa ficou ferida.
Os ânimos exaltaram-se enquanto Arménio Carlos discursava. No meio da confusão, um jovem ficou ferido na cabeça e foi socorrido por uma pessoa que tentou estancar a hemorragia com uma toalha.
Nesta manifestação estão presentes trabalhadores que reponderam ao apelo da CGTP e um grupo de trabalhadores precários."

8 comentários:

  1. Noto que a problemática é, na minha óptica, oportuna, pois estamos perante trabalhadores, sobretudo, da função pública e perante uma actuação da Polícia de Segurança Pública! Seria interessante abordar tanto a questão da Greve como modo de expressão da insatisfação da classe trabalhadora como a questão da actuação da PSP como agentes da autoridade que procuram, esperemos nós, salvaguardar o interesse público e assegurar a segurança pública.

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  2. Obrigado pela não existência de comentários...

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  3. Caro Pedro, desculpa o atraso, mas mais vale tarde do que nunca!
    Achei a notícia bastante pertinente. Porém, mais do que a questão do direito à greve e das suas múltiplas implicações, mormente no respeitante ao seu exercício " socialmente adequado" segundo os padrões da nossa comunidade política, o artigo releva numa questão nuclear que estudámos recentemente: terá a actuação policial respeitado os limites principiológicos constitucional e legalemente impostos à Administração?
    A Lei Fundamental é peremptória ao atribuir à Polícia a função de " defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos" (artgº. 272/1). Este artigo plasma a mesma tensão que brota, nomeadamente, do artgº. 266º/1: norteada, por um lado, ao desempenho de um imperativo de interesse público - a manutenção da ordem e segurança internas, sendo-lhe admitido para tanto o recurso ao uso da força - a Polícia deve actuar no respeito pelos direitos dos cidadãos. O problema da proporcionalidade da actuação policial é, portanto, evidente. Se, em primeiro lugar, o acompanhamento policial destas manifestações constitui um meio adequado para a preservação da ordem pública - atendendo, em especial, à efervescência que caracterizou este recente movimento-, por outro a intensidade da intervenção policial deixa margem para dúvidas. A necessidade dos mecanismos utilizados representa, na minha opinião, a vexata quaestio nesta situação. Terão, atendendo aos condicionalismos,as medidas praticadas sido as menos onerosas e lesivas para os manifestantes? O fotojornalista da agência Lusa entenderá certamente que não, e não será o único.
    Despeço-me desejando os melhores cumprimentos e apelando ao debate!

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  4. Não sei se poderemos considerar o direito à greve excessivo mas, como o Afonso afirmou, talvez discutir a maior ou menor adequação do seu exercício. Não nos podemos esquecer que o direito à greve foi vedado à classe trabalhadora durante vários anos, tendo sido um dos grandes estandartes da Revolução do 25 de Abril. A greve é uma das formas por excelência de contestação social (se bem desenvolvida) e um direito regulado por lei, tendo os trabalhadores de assegurar “serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (nº3 do art. 57º da CRP). O problema colocar-se-á quando as greves são executadas de forma contrária à lei (violação serviços mínimos fixados por tribunal arbitral, por exemplo) e motivadas por agendas politicas que não tenham em vista o interesse público.
    Quanto à questão da actuação da PSP concordo com tudo o que foi dito anteriormente, embora considere que foi claramente abusiva e lesiva dos direitos dos protestantes.

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  5. A nossa Constituição lapidarmente consagra no art 266º/1 CRP que o exercício da actividade administrativa deve pautar-se pela prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

    Ora, no caso sub judice, a conduta da polícia veio bolir com o direito à liberdade de expressão (art 37º CRP) e com o direito à greve (art 57º CRP), ambos elevados à categoria de direitos fundamentais, relevando ainda que com aquela actuação a polícia extravasou o fim e os meios que lhe foram atribuídos visando manutenção da ordem pública, sendo que nesta situação mais se parece como uma força de repressão.

    Movo-me num plano semelhante ao da Beatriz considerando que, se não se colocam dúvidas quanto à necessidade da actuação, ela de certo veio colidir com o Princípio da Proporcionalidade, transparecendo clara a desadequação e excessiva onerosidade da mesma.

    Por último, há ainda que trazer à colação o facto de, ainda que lentamente, à boa maneira portuguesa, os processos de averiguação e responsabilização pela PSP e Inspecção-Geral da Administração Interna lá se irem desencadeando, no respeito pelo art 22º CRP que determina a responsabilidade das entidades administrativas quando o seu exercício determine a violação de direitos ou prejuízo para outrem.

    ALM

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  6. Projectando agora a discussão para outro plano, creio que estaremos todos de acordo que, em face da configuração da situação, poucas actuações administrativas se reconduzem, de forma tão líquida e inócua, às características da definitividade e executoriedade do acto administrativo, advogadas pela doutrina tradicional da Ciência do Direito Administrativo. Já sabemos onde bebem os traços caracterizantes desta construção autoritária do acto administrativo: Maurice Hauriou, em França, equiparava o acto administrativo ao negócio jurídico, representando ambos o exercício mais perfeito e acabado dos " pouvoirs exorbitants" dos seus autores; na Alemanha, Otto Mayer buscava semelhanças entre o acto e a decisão jurisdicional, equacionando ambos nos mesmos termos: correspondiam à definição do direito no caso concreto, à aplicação de um comando injuntivo ao súbdito que o colocava num plano de subalternidade.
    Em Portugal esta construção foi sedimentada e endeusada pelos ensinamentos de Marcello Caetano. Considerado por alguns - mormente Freitas do Amaral- como o precursor da teoria da relação jurídica enquanto conceito dogmático nuclear do Direito Admnistrativo, a elaboração de Caetano revela-se, porém, algo perplexa. A lógica relacional postula, de forma intrínseca, uma comunicação diversificada e multifacetada entre a Administração e os particulares, em que ambos surgem titulares de direitos e adstritos a deveres consoante o contexto da situação concreta. Ora uma concepção assente na "fixação autoritária de posições relativas" em pouco ou nada se articula com o conceito de relação jurídica administrativa: a definição do direito no caso concreto e a susceptibilidade de execução coactiva das injunções prescritas representam um conjunto de faculdades potestativas da Administração, que vêm ostracizar o papel dos particulares no desempenho da função administrativa.
    Esta construção foi, porém, repristinada por Freitas do Amaral, que vê no acto definitivo e executório " o paradigma dos actos administrativos praticados pela Administração". Através de esforço psicanalítico estas concepções tendem, progressivamente, a ser abandonadas. No quadro de uma Administração de infra-estruturas em que nos encontramos, pintada pela multiplicidade de mecanismos de actuação e relacionamento, era inadmissível configurar tais noções autoritárias: seria, no mínimo, um regresso aos primórdios traumáticos do Direito Administrativo.
    Ainda que esbatida e camuflada pela máquina prestacional, a Administração agressiva continua bem viva, sendo o exemplo ilustrativo de tal facto.
    Como será, porém, " o acto administrativo perdido"?

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  7. Caro Afonso,

    começo por agradecer-te por este ilucidativo comentário e de certa forma apanhado das últimas aulas.
    Apesar de pertinente, creio que estarás a ir longe de mais. Não me parece que neste complexo tema te devas deixar impressionar e marcar tanto por uma ocorrência. Os agentes da polícia são seres humanos. Como qualquer ser humano têm sentimentos e podem fazer erros. Numa situação destas, em que uma greve pacífica está prestes a transformar-se numa revolta agressiva, com agressões a meros transeuntes, parace-me legítimo que as forças autoritárias recorram à força. Claro está que a medida desse tipo de intevenções físicas poderá sempre ser posta em causa. Todos nós concordamos que a fotógrafo agredido representa uma medidade excessiva, como também a representa a situação bastante ilucidativa da fotografia que eu publiquei ja há algum tempo no blogue.
    Mas não achas que estarás a ir longe de mais quando admites que a Adminsitração Agressiva "continua bem viva"? Eu até iria mais longe afirmando o contrário, dizendo que entre nós e no nosso sistema administrativo ainda se encontra claramente os traços socialistas, do tempo pós-salazarista. De que outra maneira explicas então a imensa dificuldade que o Governo tem em aligeirar a legislação em relação ao despedimento, nomeadamente nas PMEs? Se estiveres tempo e interessado vai ver a parte final da minha recente publicação, em que falo disto mesmo. A tal experiência socialista, que a meu ver ainda estará presente na nossa "máquina administrativa", está claramente consagrada no preãmbulo da nossa Constituição, LEI FUNDAMENTAL!

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  8. Caro Thomas,

    Louvo, antes de mais, a tua incursão e o teu espírito crítico, fulcrais para um debate são e frutuoso. Aproximo-me em alguns pontos da tua perspectiva, com ressalva, contudo, de algumas críticas.

    - Como acho que resulta da minha exposição, eu nunca coloquei em causa a legitimidade dos agentes da autoridade em recorrer à força. Tal constitui, na minha opinião, um imperativo. O Estado de Direito democrático, vector irradiante e conformador da nossa estrutura político-constitucional, sucessivamente densificado na nossa Lei Fundamental (artgº. 2, artgº. 8/4, p.ex.), proporciona aos cidadãos uma esfera de liberdade e um regime democrático que - sublinhando a importância da data - não se esgotam num momento historicamente considerado, mas perduram no desenvolvimento e materialização de um projecto político. Daí que o Estado não possa prescindir da autoridade, colocando-a ao serviço da democracia e da preservação da liberdade. Aparentemente dicotómicas, creio que são compatíveis quando o recurso à força represente um mecanismo complementar e residual, utilizado em prol da sociedade. O que procurei indagar, à luz de critérios jurídicos, foi a idoneidade, onerosidade e razoabilidade desta conduta administrativa individualmente considerada, sem questionar a sua imperiosa realização.

    - Por outro lado, compreendo a tua perplexidade quanto à minha afirmação de que a Administração agressiva "continua bem viva". Não questiono a tua contra-argumentação: "Os traços socialistas" por ti advogados correspondem a um afloramento da própria ideia de Direito que nasceu na madrugada de 25 de Abril de 74, veiculadora de um maior intervencionismo estadual na promoção do bem-estar económico, social e cultural, com inerentes repercursões na organização e actividade administrativas (como, de resto, tu sublinhas na parte final do teu texto, e aí estamos de acordo).
    A minha afirmação merece, porém, a devida contextualização. Assim como o actual Governo revela dificuldades agravadas em "aligeirar" a legislação laboral, fruto do exarcebado activismo sindical, o mesmo Governo não hesitou em retirar, primeiramente, o subsídio de Natal aos portugueses - medida, de resto, em conformidade com a Constituição segundo o TC - e, ulteriormente, em congelar os 13ºs e 14ºs meses de subsídio aos portugueses, o corresponde, no quadro "socializante" por ti pinatado, um sério retrocesso.
    A verdade é que, como de resto fizeste questão de sublinhar, estas medidas não constituem, também na minha óptica, o paradigma de actuação administrativa hodierna. São medidas, porém, que pela sua agressividade - sublinho -, quando efectivadas se projectam nefastamente e de forma inelutável na esfera jurídica de cada cidadão português, constituindo uma inversão em face do quadro até aqui progressivamente sedimentado. São espontâneas, momentâneas (esperemos) e, porventura, necessárias à edificação de um projecto social mais aperfeiçoado a longo prazo. Representam, não obstante, um exercício poderoso de poderes de autoridade que não passam indiferentes à comunidade política. É nestas medidas, ao longo da História, que a Administração agressiva continua "bem viva", ainda que, feliz e necessariamente, secundarizada.

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