quinta-feira, 22 de março de 2012

Resolução do caso prático nº1

Primeiro que tudo, importa salientar que os actos administrativos presentes neste caso são a solicitação por parte de Afonso à Câmara Municipal de Cascais para construir um colégio naquela zona, a recusa da Câmara Municipal de Cascais em analisar o pedido de Afonso, o posterior indeferimento do pedido de Afonso por parte da Câmara Municipal de Cascais depois de esta deliberar sobre o assunto e o recurso hierárquico de Afonso para o Presidente da Câmara com as correspondentes fundamentações.
Antes de analisar os argumentos utilizados por cada uma das partes, devemos salientar que, de acordo com a alínea q) do número 1 do artigo 64º da lei nº169/99, de 18 de Setembro, é a Câmara Municipal o órgão competente para aprovar projectos, programas de concursos, caderno de encargos e a adjudicação relativamente a obras e aquisição de bens e serviços. Logo, seria a Câmara Municipal de Cascais o órgão competente para aprovar o projecto de Afonso neste caso.
A recusa da Câmara em apreciar o pedido de Afonso é legítima, dado que o facto de o mesmo pedido havia sido, nas mesmas condições à partida, indeferido há um ano pela mesma, pelo que este órgão pode recusar a análise do pedido de Afonso nesta situação. Verifica-se aqui um caso de exercício do poder discricionário da Administração Pública, uma vez que a Câmara Municipal tem liberdade para, neste caso, voltar a apreciar ou não voltar a apreciar o projecto de Afonso.
A Câmara Municipal não deveria ter posteriormente analisado o projecto de Afonso, pois um dos vereadores intervenientes neste processo era o próprio filho de Afonso. Neste caso, segundo a alínea b) do número 1 do artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o filho de Afonso estava impedido de participar na análise do projecto do seu pai ( que é seu parente em linha recta) e, segundo a alínea a) do número 1 do artigo 48º do mesmo código, este deveria ter pedido dispensa de intervir neste procedimento.
O indeferimento do projecto pela Câmara Municipal seria, à partida, válido, pois a Câmara Municipal de Cascais possui, de acordo com a alínea c) do número 1 do artigo 57º do CPA, dez vereadores (é um município com mais de 100.000 eleitores) mais o Presidente, o que faz com que sejam 11 os membros deste órgão autárquico. Ora, neste caso, estavam presentes na deliberação sobre o projecto de Afonso seis membros (mais de metade dos membros da Câmara), o que faz com que este órgão pudesse, de acordo com o número 1 do artigo 22º do Código do Procedimento Administrativo, deliberar e com que o acto fosse à partida válido, se o filho de Afonso tivesse pedido excusa. No entanto, como à partida o filho de Afonso não pediu escusa, este acto é anulável de acordo com o número 1 do artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo.
O recurso hierárquico de Afonso para o Presidente da Câmara Municipal de Cascais é válido, pois, de acordo com o número 1 do artigo 158º do Código do Procedimento Administrativo, os particulares podem solicitar a revogação ou a modificação dos actos administrativos nos termos previstos naquele código e, segundo a alínea b) do número 2 do mesmo artigo, o direito reconhecido no número anterior pode ser exercido mediante recurso para o superior hierárquico do autor do acto, para o órgão colegial de que este seja membro, ou para o delegante ou subdelegante.
Vamos agora analisar os argumentos invocados pela Câmara Municipal de Cascais e por Afonso.
O primeiro argumento utilizado pela Câmara Municipal de Cascais deve, à partida, proceder, pois Afonso deveria ter reunido os projectos na especialidade exigidos por lei para que estes fossem convenientemente analisados pela Câmara. O facto de Afonso afirmar que reuniu os projectos tempestivamente não deve ser considerado válido.
Quanto ao segundo argumento utilizado pela Câmara (o facto de o colégio cor-de-laranja ofender a estética da povoação), devemos considerar que este argumento não deve proceder por várias razões. Segundo o artigo 121.ºdo Regime Geral das Edificações Urbanas, as construções em zonas urbanas ou rurais, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização
estética do conjunto em que venham a integrar-se e não poderão erigir-se quaisquer
construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens. No entanto, se o facto de Afonso pintar o prédio de cor-de-laranja não violar a estética da povoação de forma grave nem comprometer o aspecto global de Cascais, então o argumento da Câmara não deverá proceder. Para além do mais, neste caso, teríamos de considerar que, caso o colégio cor-de-laranja não ofendesse a estética da povoação, Afonso teria razão ao afirmar que o facto de não o deixarem pintar o colégio daquela cor violava o seu direito à liberdade artísticca e de expressão pessoal e constituía uma manifesta perseguição política por ser militante do PPD-PSD. Para além do mais, a recusa da Câmara em deixar Afonso pintar o colégio de cor-de-laranja, caso lhe seja permitido permitir o prédio desta cor, viola os princípios da igualdade e da imparcialidade, pois provavelmente, se Afonso não fosse militante fervoroso do PPD-PSD, já poderia pintar o colégio de cor-de-laranja (admitindo que os planos de ordenamento de território e o PDM não obstam a que existam prédios em Cascais pintados de cor-de-laranja).
O terceiro argumento invocado pela Câmara Municipal também não deverá proceder, uma vez que, se se verificar que existem mais construções na área em que Afonso pretende construir o colégio, a recusa da Câmara em permitir a construção deste edifício viola o princípio da igualdade.
O quarto e o quinto argumentos da Câmara Municipal de Cascais não deverão proceder caso se verifique que não se impede a construção de edifícios com duas chaminés naquela área e se as distâncias mínimas estabelecidas por lei forem respeitadas. Se não forem respeitadas as distâncias mínimas exigidas pelo Regime Geral das Edificações Urbanas e pelo artigo 1360ºdo Código Civil, então o colégio não deverá ser construído naquelas condições.
O quarto argumento utilizado por Afonso não deverá proceder. Segundo o número 1 do artigo 100º do CPA, os interessados têm o direito de ser ouvidos antes de ser tomada a decisão final, nomeadamente sobre o sentido possível desta. Logo, o facto de, no momento da audiência dos interessados, a Câmara ter dito a Afonso que iria autorizar o projecto de Afonso e depois ter vindo a indeferir o mesmo num momento posterior violaria o princípio da boa-fé se tivesse havido uma decisão final. Neste caso, Afonso deveria ser indemnizado pela Câmara Municipal por as suas expectativas quanto à construção do colégio terem sido violadas por este órgão, que deveria repor o interesse contratual negativo (a situação em que Afonso estaria se nunca tivesse confiado que o seu projecto ia ser autorizado) e assim indemnizá-lo pelos prejuízos que este sofrera ao pressupor que a obra iria ser permitida e pagar a quantia que Afonso teve de dispender com o início das obras. Contudo, como Afonso começou a construir antes da decisão final ter sido proferida, os prejuízos do mesmo serão apenas suportados por ele, e não pela Câmara Municipal de Cascais.

Guilherme Gomes

Sem comentários:

Enviar um comentário