quinta-feira, 22 de março de 2012


CASO PRÁTICO



A presente hipótese prática suscita questões relativamente às seguintes actuações administrativas: recusa de apreciação de pedido de licença de construção, deliberação do vereador e de seis membros e recurso hierárquico.

No que concerne à recusa de apreciação do pedido de licença de construção, não existe nenhum vício orgânico, já que a Câmara Municipal é órgão competente para o efeito, ao abrigo do disposto no art 64º/5 a) da Lei das Atribuições e Competências das Autarquias Locais. Haverá que indagar se a recusa é legítima, mormente já ter sido negada a sua pretensão em momento anterior. Ora o art 9º/1 do CPA consagra o Princípio da Decisão, estabelecendo que qualquer órgão, quando chamado a pronunciar-se sobre determinada matéria que cai no seu âmbito de competência, tem um dever de decisão que decorre da natureza pública da função desempenhada. Não obstante, vem o nº 2 do referente artigo introduzir uma excepção, sendo que essa obrigação não se verifica no caso de a Administração ser contemplada com exactamente o mesmo pedido e a mesma causa. Logo, conclui-se ser a recusa materialmente conforme.

Em relação à deliberação sobre o indeferimento do pedido, prima facie, a nível procedimental dir-se-iam verificadas as regras quanto ao quórum de deliberação: o art 22º/1 CPA exige a maioria do nº legal dos membros há 10 vereadores na CM de Cascais, logo estando 6 pessoas reunidas, a maioria simples estaria preenchida. No entanto, a deliberação está inquinada devido à participação na mesma por parte do filho do interessado, resultando clara a violação do Princípio da Imparcialidade, ao abrigo do disposto no art 44º/1b) do CPA. Ora esta situação consubstancia uma invalidade comulada, pois se por um lado determina um vício material, igualmente se apresenta como uma invalidade procedimental, pois havendo uma causa de impedimento de um dos vereadores, este não poderia ter votado, e como tal não teria sido atingido o quórum de deliberação.

Quanto às alegações que acompanham o recurso hierárquico, a verificação de que os projectos constam do processo determina que o argumento não proceda por erro juridicamente relevante. A actuação da Administração tem de ser correcta e de acordo com as regras da formação da vontade. A doutrina diverge quanto à recondução do erro a um regime, sendo que o Prof. Freitas do Amaral considera uma fonte autónoma de validade ao lado da ilegalidade, enquanto que o Prof. Marcello Caetano quadra o instituto do erro no âmbito da ilegalidade, que afirma ser uma figura mais ampla que abrange os vícios que inquinam a formação da vontade. O Prof. Vasco Pereira da Silva propugna a tese defendida pelo Prof. Macello Caetano, havendo aqui uma actuação contrária à lógica de legalidade.

Relativamente à proibição de pintar de laranja o colégio, as actuações da Administração visam a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos fundamentais (art 266º/1 CRP). Ora a harmonização das construções apresenta-se como um interesse legítimo a considerar pela Administração, mediante regras de planeamento de território que estabeleçam certa paleta de cores com o intuito de preservar património cultural. Poderia haver aqui uma questão de discriminação caso a decisão se baseasse em preconceitos cultural ou ideológicos. No entanto, não se nos afigura que aqui se trate do caso, e por conseguinte não terá havido uma violação de direitos fundamentais.

Mormente a alegação de discriminação da CM por lhe ter sido negada a construção naquela zona, quando outros o haviam feito, tratando-se de uma zona non edificandi, a declaração da natureza dessa zona não tem alcance retroactivo e portanto não afecta as edificações já construídas. Já se as referências feitas por Afonso são relativas a construções recentes, ele pode impugná-las e pedir a sua anulação. O que não pode é vir invocar o incumprimento da lei para seu benefício.

No concernente ao problema levantado pela existência de duas chaminés, que viria agravar a poluição atmosférica, não se afigura que haja uma verdadeira relação causa-efeito. Para mais se o interesse público em questão é a protecção ambiental, a proibição da construção devido às duas chaminés é desrazoável, consubstanciando uma violação do Princípio da Proporcionalidade. Mais adequada teria sido uma medida que determinasse a alteração do projecto. O fundamento não é portanto nem adequado nem proporcional ao fim em causa, logo a alegação da CM não procede.

Quanto ao último ponto justificativo da recusa, trata-se de um critério material perfeitamente válido, já que há razões prementes que justificam a proibição como a salvaguarda da intimidade das pessoas, saúde pública, defesa ambiental, etc.

À que atentar por fim ao facto de ter sido dada a Afonso uma orientação diferente em audiência dos interessados relativamente ao sentido da decisão. O procedimento está por isso inquinado devido à preterição dos trâmites normais – a audiência dos interessados (vide art 100º CPA). Nada obsta a que a Administração mude de opinião, mas se o faz tem de proceder a nova audiência dos interessados. A audiência dos particulares é um direito, havendo até quem a eleve à categoria de direito fundamental (o Prof. Vasco propende para esse sentido, considerando ainda que a sua preterição traduz uma nulidade. Contrariamente o Prof. Freitas do Amaral não acha que esteja em causa um direito fundamental e reconduz o vício à anulabilidade). Não tendo tal aqui ocorrido, a actuação da Administração está ferida de uma invalidade procedimental. Haveria ainda que levantar a possibilidade de violação da confiança do particular (Princípio da Boa Fé). No entanto, apenas o sentido da decisão final é de facto vinculativo, logo se o particular já começou as obras, sibi imputet.

                                                                                              Ana Luísa Carvalho de Melo

                                                                                              140110094

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